30 junho, 2007

Caderno de viagem - Brugge


CRÔNICA, 03/01/2007.

Pouco sabíamos a respeito, quando decidimos incluir no nosso roteiro de viagem a cidade de Brugge. Desembarcaríamos em Lisboa numa manhã de verão qualquer e, depois de uma rápida passada pelo Castelo de São Jorge, pegaríamos um vôo baratinho com destino à capital francesa. Após três ou quatro dias sob um forte calor, viajaríamos de carro pela Europa. A programação inicial foi elaborada com relativa antecedência, já que nos parecia ideal conhecer Paris e o que restava de uma outra viagem a Portugal. Nosso dilema era justamente que países ou cidades deveríamos conhecer a partir da França, afinal tínhamos outros vinte e cinco dias pela frente. Éramos cinco indecisos.

Entra Budapeste, sai Budapeste; entra Praga, fica Praga; entra Londres, sai Londres; entra Viena, fica Viena; e assim por diante. Batemos o martelo na questão: não seria correto fugir muita da rota, pois o tempo poderia se transformar num terrível inimigo. Deveríamos, portanto, subir um pouco, partindo de Paris, e depois descer até Roma. E, por essa razão, foram eleitas as cidades de Brugge, Amsterdã, Berlim, Potsdam, Praga, Viena, Milão, Veneza e Roma. E, para transformar a vida ainda mais doce, optamos por trafegar pelas vias secundárias, concedendo-nos a oportunidade indescritível de sentir o gosto das minúsculas e aconchegantes cidades européias.

Mas alguém haveria de perguntar: onde fica exatamente Brugge? Cada um dos cinco-não-mais-indecisos ficou responsável por esmiuçar aquilo que nossas vistas deveriam degustar em cada porto. Bem, essa era a idéia inicial. Brugge, no entanto, não entrara na lista de gaiata; ao contrário, honrada foi a decisão de incluí-la em nosso tour. É simplesmente um lugar maravilhoso de se conhecer e, por certo, de se viver, tanto por seu estilo medieval quanto por sua beleza natural. Brugge é uma pequena cidade belga, situada na região de Fladres, cuja idade, aproximada, é de alguns séculos de história.

Chegamos a Brugge no comecinho da madrugada. Achar o Bauhaus Hotel, onde ficaríamos hospedados, foi fácil, muito embora a recepção fosse dividida com o balcão de uma espécie de pub, difícil mesmo era não ser provocado por uma sensação de que estávamos voltando muitos e muitos anos no tempo, e com razão: Brugge conserva suas construções medievais com um cuidado extraordinário, haja vista a Halletoren, a torre mais importante da cidade – ela fica localizada bem em frente à Praça do Mercado, datada do século XIII, tem oitenta e oito metros de altura. Pode-se chamá-la de “coração da cidade”.

Brugge também é ideal para uma grande paixão. Rodeada de belíssimos canais, um dos programas perfeitos é um passeio de barco. Há quem afirme que o Canal Minnewater conduz a sorte aos apaixonados, quando estes atiram moedas em suas águas, mas para esta questão não temos resposta. A vegetação ao redor dos canais é fantástica para quem aprecia a natureza. É comum planos verdes com frondosas árvores fincadas. Corroborando o amor, há também programas em charretes guiadas por portentosos cavalos. As ruelas parecem se enobrecer com o barulho insistente dos galopes. Outra forma interessante de percorrer Brugge é pedalando – alugar bicicletas é muito comum.

Certamente, quem um dia colocar os pés em Brugge, jamais conseguirá esquecer a emoção. Brugge é uma cidade viva. A nossa vontade era de não arredar dali, mas a viagem deveria prosseguir por caminhos ainda desconhecidos. Assim como os deliciosos chocolates belgas que derreteram em nossas bocas, Brugge nada mais foi do que um sonho.

Mendes Júnior
* Photo by Mendes Júnior.

Laura


30/06/2007.



De certa forma, não parecia coerente que ela entrasse naquele cubículo com a finalidade de reaver o passado, porém também não era correto sair em silêncio, mas foi justamente o que aconteceu a Laura quando adentrou na cabina telefônica e se deparou com uma baita traição. Acabara de desembarcar: “O passaporte, senhorita”, pediu-lhe o Agente da Imigração, com uma expressão de cansaço, que revelava não ser mui amigo. Laura procurou no primeiro café crédito suficiente para fazer uma ligação para o Brasil – queria lhe dizer tudo no exato instante em que escutasse um barulho vindo do outro lado da linha. Não estava pesarosa de nada: “Não estou arrependida”, dizia para si.

— O troco? Um expresso, por favor!

Laura, depois da sua trigésima primeira primavera e um enorme pileque, resolveu que no final da Quaresma entregaria sua vida pregressa ao diabo que a carregasse e que iria embora para algum lugar da África. Sua mãe quase teve um troço fatal; não fosse o Plano de Saúde do Sindicato dos Professores da Rede Municipal de Manuaba do Norte, a velha também faria uma viagem, mas direto para o jazigo da família, sem escala. E o que dizer do marido abandonado, o Alberto?, senão que o homem quase enlouquece; fez de tudo para tirar da cabeça desmiolada da Laura a absurda idéia do abandono de lar, no todo, mas não houve jeito: Laura era a decisão em pessoa.

Ela cansara de tudo e de todos, sentimento que ninguém, nem de longe, imaginava. Ainda por cima, gostaria de correr mundo e conhecer gente nova. Coisa que também não atinavam é que sua intenção era a de nunca mais voltar – os tolos achavam que, mais cedo ou mais tarde, Laura estaria de volta. Ledo engano! Não tivera pai, nada de filhos, tinha uma irmã, chamada Suzana, que vivia repetindo aos quatro cantos que o Alberto era isto, que o Alberto era aquilo, e uma mãe adoentada de fígado – portanto, é chegado o momento de preparar uma trouxa e partir. E sua mala incluía tão-somente um par de calças, uma sandália de tiras, cinco camisetas, uma pequena sacola com o material para higiene básica, além de uma rede de dormir. Laura não se achava rainha para levar um baú de coisas. Raspou a poupança para a passagem de ida, restando-lhe quinhentos dólares para correr o mundo.

Uma turbulência durante o vôo, que durou cerca de dez minutos, fê-la comparar a implicância da natureza com sua própria vida. Lembrou de como Alberto havia sido um estorvo durante todo esse tempo, e vice-versa. Do dia em que cismou com a gordura de Laura, nunca mais foi um homem digno de sua companhia. Para a traição, Alberto precisou de um pequeno salto. Por vezes notou a distância entre ambos aumentando, mas nada do que fizesse servia para costurar os retalhos conjugais. Com os dedos agarrados no braço da poltrona (talvez um pouco de medo), pôde observar com detalhe sua mão, já sem a aliança, que um dia evitou a agressão de Alberto. “Como fui infeliz todo esse tempo”, dizia. Permaneceu absorta durante algum tempo; reconstituía na memória os anos de casamento; sabia que amara muito mais do que foi amada. Pela primeira vez, sentia-se sozinha e feliz. A vida dela pouco importava, nem Alberto ligava: ele mal sabia sua ocupação: numismata. Para ele, apenas um nome engraçado. “Senhores passageiros, dentro de instantes estaremos pousando no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, na Ilha de Santiago”, dizia uma voz gutural.

Quando partiu para a cabina telefônica, era como se estivesse subindo num ringue, as palavras estavam prontas, as frases bem acabadas, tudo certo. Ela era forte o bastante para estar ali. No primeiro sinal de chamada, já imaginava o quão ruborizado ficaria Alberto diante do seu acerto de contas. Decidiu que gritaria sua liberdade e pronto. Aproveitaria para saber o estado da saúde de sua genitora. O telefone deu um toque e ela suspirou; dois toques, um segundo suspiro; no terceiro toque, uma voz feminina-ofegante-conhecida atendeu dizendo um alô. Delicadamente, foi deslizando o gancho pela face; com os olhos marejados, através da vidraça da cabina, acompanhou a moça sorridente do café falando com um rapaz de macacão, que parecia contar uma história interessante. “Suzana?!” – veio um terceiro suspiro.

Mendes Júnior
* Photo by Mendes Júnior.

24 junho, 2007

O vendedor de enciclopédias


04/12/2006.


Linha 174. Pelas minhas contas, chegaria ao meu ponto em uma hora, e nem tinha que passar pelo sufoco do outro dia. Somente um idiota como eu pegaria um coletivo errado. Fui parar no lado de lá da cidade. Contava com a venda das enciclopédias para voltar para casa, mas naquele fim de mundo ninguém lia nem embalagem de sabonete em banheiro. Pedi esmola pro ônibus da volta. Não foi fácil, quase me roubam as enciclopédias e ainda tive de escutar um tal mais novo do que eu me chamando de malandro. O sujeito que tentou afanar meu ganha-pão me chamou de vagabundo sem-vergonha. Isto é o fim dos tempos! Um ladrão me qualificando desta maneira! Juntando as migalhas, considerando um bando de negativas, consegui abortar no meu bairro com o apurado.

O trabalho de vender enciclopédias em bairros carentes deveria ser considerado emprego de risco. Primeiro, é difícil encontrar alguém disposto a sacar duas notas de cinqüentinha para usufruir de conhecimento fácil; como se isto não fosse suficiente, temos de ficar de cá pra lá com um peso dos infernos nos braços. Se alguém se dispusesse a me eleger representante da classe, juro que elaboraria um projeto de lei garantindo aos vendedores de enciclopédias aposentadoria por tempo de serviço, seguro-saúde e uma licença remunerada de quatro meses. Adquiri nesses dois anos de serviços lesões por todo o corpo, incluíndo uma bala perdida que ficou alojada na minha perna esquerda, impedindo-me de bater uma bolinha com os compadres aos domingos. Agora vendo enciclopédias também aos domingos.

Nem tinha tomado meu café por causa do horário. De verdade, acabara o pó do café e não tive nem a decência de ir ao mercadinho do lado comprar mais. Acordar numa segunda-feira e não afagar a mente com um pretinho quente é quase desumano. Aprontei esta comigo. Estava me fazendo falta não só o café, mas um significativo pedaço de pão com manteiga. Fui socorrido por uma senhora que estava atrás de mim na parada do ônibus. Viu meu corpo bambear e impediu minha queda. A mulher era dotada de um braço até grosseiro, mas, não fosse por eles, só Deus sabe o que teria me acontecido. Mesmo sem forças, escutei tudinho o que falavam de mim: está pálido; está tendo uma convulsão; vai morrer o pobre coitado; é falta de açúcar. Teve gente até clamando por alguém que soubesse rezar para encomendar a minha alma. Dei um passamento de tanta fome, soube disto ao tornar.

O café estava fazendo muita falta. Sou viciado em cafeína, muito embora um médico amigo tenha recomendado não exceder neste propósito. Posso até bater com a cara numa porta que não queira comprar enciclopédia, mas um pretinho quente terá de me oferecer. Por falar em enciclopédia, alguém levou minha sacola. Perguntei a todos se a tinham visto, inclusive à senhora dos braços enormes, mas ninguém sabia do paradeiro da sacola. Pros diabos, alguém me furtara enquanto passava mal. “Empalmaram minhas enciclopédias e niguém vê nada!” – gritei. Fui ameaçado por uma risadinha seca. “Além de ladrões, nota-se um mundo de ignorantes ao redor da gente” – fui mais grosseiro, e de muito pouco adiantou. Cada um olhava para o lado fazendo de conta que não era consigo. “Uma crueldade! Uns espertalhões que se aproveitam da desgraça alheia”. Estava desempregado. Minha vida é assim: uma hora estou por cima, noutrora no fundo do poço. Envergonhado, meti a mão no bolso para saber com quanto iria tentar recomeçar a vida: o suficiente para entrar na linha 174, sem direito à volta. Mas não se regula as idéias de barriga vazia, o próprio corpo pede arrego. Voltei à esmola, na parada do ônibus, para ajuntar o suficiente do pacote de café, mas não deram ouvidos e ainda me chamaram de vagabundo.
Mendes Júnior.
* Photo by Mendes Júnior.

Indicações Musicoliterárias






Resolvi abrir meu baú do jazz. Pois bem, para quem ainda não sabia, tenho um baú do jazz. Para chegar à denominação não gastei mais do que dez segundos: é um baú de vime repleto de discos de jazz – simples assim! É importante ressaltar, desde logo, que também tenho um baú de música brasileira, mas é uma outra história. Como dizia, hoje resolvi escancarar a tampa e retirar um bom disco de jazz; aliás, saquei não um bom, mas um excelente disco: Nancy Wilson/Cannonball Adderley, do selo Capitol Jazz – A Blue Note Label.
Julian “Cannonball” Adderley, nascido na Flórida, em 1928, foi uma peça central e ímpar para o jazz moderno. De acordo com o jornalista Fernando Jardim, do site Ejazz, Cannonball, que significa bala de canhão, era um apelido de infância de Adderley, mas que também queria dizer cannibal, dado seu grandioso apetite. Começou a estudar sax alto aos oito anos de idade, demonstrando, apartir daí, uma verdadeira aptidão para este instrumento. Cannonball Adderley, no entanto, somente subiu ao palco, pela primeira vez, em Nova Iorque, muitos anos depois, convidado a tocar com a banda de Oscar Pettiford. O talento de Adderley despertou a atenção de Miles Davis, que o incluiu em seu sexteto mais famoso, ainda composto por John Coltrane, Red Garland, Paul Chambers e Philly Joe Jones. Ficou ao lado de Miles Davis de 1957 até 1959, tendo, inclusive, participado do lendário disco Kind of Blue, bem como de Milestones e Monk and Miles at Newport.

Depois de se desligar de Davis, juntamente com seu irmão, Nat Adderley, Cannonball resolveu aproximar a música africana com o jazz. Gravou com muita gente boa, entre elas está o próprio Coltrane, Bill Evans, Milt Jackson e Nancy Wilson, que gravou com ele o disco que agora toca na minha vitrola. Morreu de ataque cardíaco quando se apresentava em Gay, Indiana, em 1975.

Na capa de Nancy Wilson/Cannonball Adderley, um aviso, em tom laranja, relevante: “41 minutes e 59 seconds of jazz!”, e uma troca de olhares sublime entre Nancy e Adderley, com um fundo branco. O disco foi gravado entre junho e agosto de 1961, na cidade de Nova Iorque, com a produção de Tom Morgan e Andy Wiswell. Logo na primeira faixa, Save your love for me, percebemos a grandeza da voz de Nancy Wilson, maravilhosamente seguida pelo sax alto de Adderley; emoção extra nos causa a desenvoltura desta mesma voz levando The old country e Little Unhappy. E, por fim, abandone o peso de qualquer problema de vida quando ouvir o sax de Adderley em I can’t get started. Ainda fazem parte do disco os músicos Nat Adderley (cornet), Joe Zawinul (piano), Sam Jones (bass) e Louis Hayes (drums). Não esqueça de abrir uma garrafa de Grand Theatre, Bordeaux.

Esteja dito.
Mendes Júnior

19 junho, 2007

O catador de poemas


19/06/2007.



À mais bela lua

Talvez, se ele tentasse embalar um poema, um forte poema, dizendo que a lua estava brilhante, alva como pérola, ingressa como paixão, formosa como dama de bordado, límpida que nem pensamento de criança, porém recatada, apaixonada, preconizada e plena, correria o indelével risco de que suas estrofes fossem tachadas de inconsumptas, muito embora não quisesse escrever um livro, ou livrete, ou coisa parecida, ou sair no jornal, ou virar notícia, tampouco era aconselhável que dissesse que o céu nuvioso era uma nódoa insana a marcar os dois com descomprazer, pois assim, se a manhã descomprouvesse, a eles, ao casal descomprazeria, e vejam que coisa horribile dictu, melhor mesmo ficar com a noite, com a lua cheia que vai impávida, e não é o virgem poeta quem anuncia o plenilúnio, mas ela está cheia, de verdade, tão cheia de amor quanto de dor, da saudade de quem segue junto do peito, e é isto que ele quer dizer no seu poema, o tal poema que irá cantar a febre da paixão, em versos, contudo, sua paixão, tal qual a paixão cúmplice da lua pelas estrelas e estas pelos homens e estes entre si, como disse, certa feita, um parnasiano poeta, o qual ele gostaria de ter sido porque tão bem decifrou esta relação: “E eu vos direi: ‘Amai para entendê-las! / Pois só quem ama pode ter ouvido / Capaz de ouvir e de entender estrelas’”, que o deixava perplexo tamanha sua incapacidade diante da folha em branco, e também não sabia conduzir o lápis bem apontado, e o peito era engolido pela lua, e ele era banhado pela fonte de luz que rasgava fervorosa a noite de plenilúnio, sim, de plenilúnio, e por que então não lhe era permitido começar o poema simplesmente exaltando a face noturna das horas, o luar glorioso e ferrenho?, como pontuou o lírico poeta no comecinho da página: “Ai! quando de noite, sozinha à janela, / Co’a face na mão eu te vejo ao luar, / Por que, suspirando, tu sonhas, donzela? / A noite vai bela, / E a vista desmaia / Ao longe na praia / Do mar!”, os seus sentidos não permitiam?, pois bem, achava que era possível dizer do amor sem cair no fosso da tolice, então preferiu esperar um pouco mais pelo verso arrebatador a poluir o efúgio da sua tentação, de todos os seus desejos, de todos os seus pecados, e permaneceu sentado à beira da calçada, riscando a terra com a ponta do pé, na busca inconsciente das palavras responsáveis pelas lágrimas que ela derramaria, tão logo recebesse o poema escrito com ajuda do vento frio, do silêncio, da plêiade que se via lá no céu e da poesia que podia ser lida no círculo leitoso, em letras tenras e miúdas, afora o coração do poeta, que não comportava mais do que aquele tanto de amor, mas isto não tornaria o poema tristonho?, como cantou Asunción: “(...) Era o frio atroz do nada. / Minha sombra, / Projetada pelos raios do luar na areia triste, / Solitária, / Solitária, (...)”, qual nada!, não é demais nem curto nem morno ele lembrar do que disse Bardo, no exato instante em que jogou o olhar quixotesco para cima: “O mar jaz como um céu tombado. / Ora é o céu que é um mar, onde a lua, / A só, silente louca, emerge / Das ondas-nuvens, toda nua”, então devesse, sem delongas, esquecer o que pensarão os críticos, de que nada entendem, muito menos de coração de poeta, e pintar o júbilo do amor que ora sente na folha (re)vestida de branco, e com o lápis na mão direita contornar a lua delicadamente como se deslizasse suavemente esta mesma mão pelo corpo dela, que é sedutor e repleto de blandícia, e pouco importa se o poema se apresentar com um verso sem ostentação, desde que encambulhe ao próximo, e ao próximo, e ao próximo, formando a primeira estrofe, por que é um soneto, e vai falar da lua, da mesma forma simplória com que Sylvia Plath encetou seu poema de 1961: “If the moon smiled, she would resemble you”, pois nada mais é preciso gritar, senão que a lua sorrindo é a cara dela, claro, a cara da mulher amada, que corresponde ao amor de/do poeta, e é possível uma licença poética?, não, infelizmente, não, mas então ao poeta é permitido criar qualquer coisa, palavras, rimas, nomes?, sim, isto pode, e até é fácil de imaginar o poeta dizendo que a saudade estraçalhou seu coração, mesmo estando vivo para escrever o tal poema, pois, com uma lua bonita assim, e por achar que ela irá entender sua falta poética, embora amasse em efusão tudo aquilo que saía de sua alma, gostaria tão-somente de citar Alphonsus de Guimaraens, poderia?, sem dúvida, que fosse em frente: “E como um anjo pendeu / As asas para voar... / Queria a lua do céu / Queria a lua do mar...”
Mendes Júnior
* Photo by André Adeodato;
** Publicado na Revista Cronópios, em 03/08/2007.

15 junho, 2007

Caixa de madeira III


15/06/2007

A viúva deu de cara com o destempero da fome e com o desespero da solidão. Pensava que seria fácil a vida ao lado de um ventríloquo, mas estava completamente equivocada. E o que dizer sem ele?, que estava lá correndo e se pelando de medo da infalível morte. Na verdade, ela também estava com receio de ir parar debaixo da terra seca – o menino e ela –, afinal, desde que perdera o marido, não tinham nada mais além do bilhete para Massapê, que, assim mesmo, já caducara porque a viagem terminou tão logo eles pularam da carroceria do pau-de-arara, em plena praça-matriz. Por sorte, ainda carregavam três peças de vestir e as sandálias que estavam nos pés de cada um. É sempre ajuizado requerer da lembrança a satisfação da comunhão e o aconchego da família, e nesse momento ela quis de volta sua vidinha de outrora. O menino, por sua vez, ficou em estado de graça vendo uma roda-gigante girando a todo vapor, enquanto a mãe tentava conter o enjôo provocado pelo vazio na barriga e pelos movimentos circulares da geringonça. Ela apertava com muita força a mão do filho – parecia que o mundo todo, e não ela, iria desabar, mas a viúva teve de ser amparada por um grupo de estivadores, que conversavam despreocupadamente, tão logo desmaiou.

Massapê era uma pequena cidade, entretanto, melhor e mais prudente seria esperar por Nepomuceno ali mesmo, na praça. Não tardaria sua chegada, que seria, por certo, em grande estilo, mesmo tendo sido deixado para trás, esquecido com o pinto na mão. O engraçado de toda a história era que Nepomuceno foi quem convenceu a viúva a ficar nesta condição de quase adúltera e a ir embora, juntamente com o menino, para território neutro, longe das línguas afiadas do povo ignorante, que só cobiçava o mal e via em cada ato de afeto um crime horrendo. Nada era tão libidinoso assim. Não haveria enforcamento em público de um matraqueado feito Nepomuceno, muito menos o apedrejamento de senhora tão distinta e humana como a viúva. O moleque ia ser cria de Nepomuceno – já era bem parecido – e, quando virasse rapaz, receberia ensinamentos de ventriloquia e iria também conversar com os mortos, ajudando pessoas necessitadas e saudosas. A viúva não estava achando a graça que acabamos de citar; ao contrário, começava a se chatear de verdade diante da ausência do mijão.

A fome não abrandava e, como se não fosse o suficiente, fazia um calor dos infernos. E a roda-gigante forçava a náusea – uma tonteira grande, a vista turva e uma vontade de vomitar, mas o quê?, se já fazia dia e meio que estavam o menino e ela sem alimento. Ainda por cima dormiam na rua, em bancos de madeira encardidos, enquanto ansiavam por Nepomuceno, que chegaria, decerto, distante de um naufragado, mas forte e galante como jamais visto. Uma pena: não houve cristão que se apiedasse dos dois e, portanto, nenhuma migalha lhes foi oferecida, nem quando a procissão passou, cheia de beatas, moças virgens e rapagões de paletós claros, com passos lentos e semblantes falsos de comiseração. O menino sequer deu pela procissão, pois não arredava os miúdos olhos da roda que girava, girava, girava, iluminada por fluorescentes recobertas de celofanes coloridas. Às vezes, lá estava ele dançando ao som da barulheira que reverberava da imponente roda-gigante.

Nepomuceno não fazia idéia do sofrimento dessa gente. Tudo bem que estivesse agora perto de acertar as contas com o destino, porém, antes de insultar a crença do povo com a ladainha de ventríloquo, estava em refestelos numa redinha lá longe, enquanto a viúva e o menino padeciam nas entranhas da terra quente e empoeirada. Julgar desse modo, no entanto, é condenar sem entrar no mérito da querela. Ora – não esqueçamos –, não fosse por um descuido do motorista e a necessidade de Nepomuceno, ele estaria socorrendo a viúva e o menino diante de tamanha provocação da vida. No momento, precisava arranjar força e inteligência suficientes para driblar a sede de sangue de um homem frio, que permanecia no seu encalço, sertão adentro.


Mendes Júnior
* Quadro L'Evénement, de Heidi Koch;
** Publicado no Cronópios, em 18/01/2008.

12 junho, 2007

Nem tudo que se come tem sabor


12/06/2007



Armênia achou de plantar a mão no rosto do Ivair justo no Dia dos Namorados, e, ainda por cima, na frente do povaréu todo. O coitado estava todo faceiro, em camisa de linho violeta e calça branca, que deixava mostrar a marca da cueca, muito bem acomodado na cabeceira. Preparava uma decente garfada de baião-de-dois quando foi subitamente agredido pela parceira. Não houve jeito de reagir, afinal, seu caráter não lhe permitiria um ato furioso, de modo que ficou paralisado-corado-embasbacado vendo Armênia sair feito uma louca. Existem pessoas, realmente, sem um pingo de sentimento pela dor alheia: alguns trataram de rir da vergonha do Ivair.

Ivair preparou um dia inteiro de agrados para Armênia. “Olha, bem, essas rosas são para anunciar o tamanho do meu amor por você! Olha, mas se prepara que tenho uma surpresa maior ainda”, dizia Ivair ao telefone. Era de um romantismo impecável. Tratava datas especiais com muito esmero e, mesmo passados sete anos de namoro, agia como se fosse o primeiro. No sétimo Dia dos Namorados, acordou Armênia muito cedo, ainda quase escuro, com vinte e quatro rosas vermelhas. De tão adaptada às exigências do coração de Ivair, providenciou um vaso para acomodar as flores que recebia, sempre em exagero. Às vezes a casa ficava cheirando a velório. A mãe de Armênia questionava o porquê de tanta provação, qual o sentido das inúmeras declarações, mas Ivair não poderia fazer diferente – era da sua natureza.

Ivair, lá pelas tantas, pegaria novamente o telefone da Repartição para, com voz de bobalhão, usar das palavras e anunciar que era um eterno apaixonado: “Olha, bem, essa caixa de bombom é para tornar sua vida mais doce e maravilhosa. Espero que você fique feliz, pois são de laranja, do jeitinho que você adora. Olha, mas essa ainda não é a surpresa de que falei. Só mais tarde, viu?” Ivair chegava a abusar da boa vontade do office-boy, no entanto, queria que seus pecadinhos causassem um sobressalto em Armênia, que parecia se esforçar para dizer sim, embora tudo não passasse de uma cópia dos anos anteriores, com exceção da tal surpresa que estava condenada a acontecer só no final do dia.

Sem nenhuma dúvida, Ivair era um bom homem, mas muito respeitoso. Sete anos de namoro se foram e Ivair, por acatamento, não se deitara uma única vez com Armênia, o que, de verdade, fez nascer nela a esperança de que era agora ou nunca. A história que ficaria guardada para a noite não poderia ser outra, senão um convite para um motel. Armênia tinha que fazer uma expressão de espanto (já pensara nisto), até por que Ivair, nas vezes em que ela sondou sobre o assunto, demonstrou-se deveras tímido. Não importava – saberia conduzir a resposta do convite. Decidiu por comprar uma lingerie vermelha e audaciosa como presente para o Ivair, afinal, pela espera, haveria de ser inesquecível a noite. Armênia era balconista de uma loja de couro, mas as colegas entenderam seu nervosismo e resolveram dividir entre si sua tarefa, a fim de que ela se concentrasse exclusivamente no serviço que seria realizado no apagar das luzes. Além do que Ivair não sossegava: “Oi, bem, não me esqueço de você um minuto sequer! Esse perfume? Bem, é para você usar mais tarde. Gostou? Sabia! Olha, acho que você vai amar a surpresa! Também te amo!”

Os dois foram comemorar o Dia dos Namorados numa churrascaria. Ivair reservou uma mesa central – queria que todos assistissem à reação de Armênia quando descobrisse o que ele preparara. Ela estava nas nuvens, adorável, alegre, um pouquinho ansiosa, é claro, mas faria a expressão de espanto, talvez até melhor do que nos ensaios com as colegas. Armênia queria logo se arrancar da churrascaria, não estava interessada em comer nem beber coisa alguma; por ela, já estava deitada na cama do motel, olhando-se pelo espelho do teto; enfim, seria do seu homem. Ivair, no entanto, insistia para que ela comesse: “A carne de porco está deliciosa”. Ivair fazia de conta que estava tudo bem, mas começou a ficar apreensivo com as várias negativas de Armênia, o que melaria de vez o plano. Um garçom se aproximou e perguntou se a senhorita não gostaria de provar da carne de porco, que era uma especialidade da casa. Com um batalhão suplicando para que ela comesse o diabo da carne, não lhe restou alternativa, senão colocar um pedaço na boca. Nas duas primeiras mastigadas, sentiu algo bastante duro na boca, quase partindo seu pivô. Pensou tratar-se de um osso, mas não.


Mendes Júnior.
* Photo by Mendes Júnior.

10 junho, 2007

Caderno de viagem – Paris


CRÔNICA, 16/10/2006.


A minha impressão – que considero mais como uma certeza – é de que Paris nos proporciona visões distintas do mesmo lugar. É como o ouvido tão bem anunciado por Villa-Lobos: temos o de fora e o de dentro. Pois bem, Paris é assim. Olhamos com os olhos e com o coração, e a intensidade que este proporciona é superior a qualquer sensação que um dia já conhecemos.

Outra idéia que me surge – não menos certeza – é de que Paris quase implora para que andemos por suas ruas. E isto não é nenhum sacrifício; ao contrário, é mágico e curioso e belo e perfeito. Podemos respirar o charme de Paris na Île de la Cité ou em Montmartre, não importa, desde que estejamos nos locomovendo com estes pés que nos foram concebidos no nascedouro (peço que seja perdoado pela expressão). Visitar Notre-Dame e suas assustadoras gárgulas é maravilhoso, mas ter a vista de sua torre norte e decidir ir caminhar pelo Quai du Marché Neuf ou ir até o Marché aux Fleurs comprar uma orquídea e entregar nas mãos da primeira francesa que lhe cruzar o caminho é melhor ainda.

O mesmo se dá se estivermos defronte às escadarias da Sacré-Coeur – igreja romano-bizantina no centro de Montmartre. Devemos explorar seu interior, sem sombra de dúvidas, mas não podemos, por hipótese alguma, sob uma pena cruel, deixar de aproveitar o passeio no Petit Train de Montmartre, levando-nos aos interessantes pontos desse paraíso. São muitas as ruelas de Montmartre, mas vale cada pedaço da sola do sapato. E, muito embora o nome desta região pitoresca advenha dos mártires torturados em Paris no ano de 250 – mons martyrium –, é tão doce quanto estar numa serra fumando uma cigarrilha Dona Flor e tão quente quanto seduzir os limites do próprio corpo (é aqui que está localizado o famoso Moulin Rouge).

Paris é uma cidade que abriga muito confortavelmente seus tipos. Não importa a combinação, a cor, a moda, a farra, o cego ou o doido. É válido ler andando, conversar sozinho, rir alto, sentar para pegar um sol, beber água mais cara do que vinho, correr jardim sem flor, colocar os pés de molho, pegar uma praia sem praia, dormir na rua, dançar na rua e empurrar dois japoneses. Há a cuisine francesa – coisa de primeira –, mas temos também as maravilhas orientais, indianas, italianas e os pães, queijos e mortadelas francesas ao ar livre (não é recomendável o suco de laranja). Não se faz necessário titubear no vinho: tinto francês, s’il vous plaît.

É o sabor da vida parisiense que nos guia pela cidade. É como se esperássemos encontrar, quem sabe, Scott Fitzgerald nos convidando para tomar um café no La Closerie des Lilas e nos explicando por que é tão bom viver (em) Paris. Talvez numa conjectura remota, mas conjectura, estivéssemos numa roda literária ouvindo Hemingway declinar a respeito do porquê Paris é uma festa. O amor por Paris não requer nacionalidade nem religião, mas um sentimento nobre, banhado a ouro, disposto a aceitar um mundo inteiro. Em meio às suas places e rues, viramos monarcas e súditos num piscar de olhos, como se fóssemos dela, como se fosse nossa. Na maioria das vezes, Paris assume a responsabilidade por nosso destino. Daí o olhar de dentro. Somos fisgados pelo coração. Este é um bom começo para entender a emoção de estar em Paris.

Mendes Júnior.
* Photo by Mendes Júnior.

06 junho, 2007

Indicações Musicoliterárias


Comecinho da tarde, hoje mesmo, senti uma vontade súbita de escutar Trocando em miúdos, mas desta vez no som rouco de Francis Hime. Tenho discos mais recentes (menos empoeirados) que matariam, sem dúvida, minha fome, porém, por ser exigente, queria a versão que foi gravada em 77 - antes mesmo do meu despontar. Tive de correr a casa e colocar sem delongas Passaredo na vitrola, bem alto, bem ao gosto, bem na medida. Este discão faz parte da coleção Som Livre Masters, em comemoração aos 35 anos da gravadora. Na capa, um Francis cabeludo, novo e com expressão de ressaca, mas dentro, com as canções, uma lucidez gostosa e uma calmaria. Bem, não poderia ser diferente com tanta gente boa: Wilson das Neves (bateria), Altamiro Carrilho e Danilo Caymmi (flauta), Chico Batera (percussão), Neco (guitarra acústica), Novelli (baixo), Francis, Olivia Hime e Chico Buarque (vocal). Não perdi a viagem e ainda acalentei meus ouvidos com Pouco me importa (parceria com Ruy Guerra), Maravilha (parceria com Chico), Passaredo (parceria com Chico), Meu homem (parceria com Ruy Guerra), Anoiteceu (parceria com Vinicius) e Máscara (parceria com Ruy Guerra). Em tempos difíceis, é bom para retirar a "máscara que cobrindo o meu rosto / revelaste o coração / me dando razão e gosto / pra avançar na contra-mão (...)". Uma garrafa de tinto francês vai muito bem, obrigado!


Não poderia indicar outro livro, senão o que acabo de receber, em 10 (dez) edições, pelo correio pátrio, e que colaboro com uma crônica: Encontros, da Editora Guemanisse. É a tal da coletânea de que falei anteriormente neste blog. A crônica pode ser lida aqui mesmo; chama-se Meu amor é vermelho. Afinal, não há exemplares para todos e todas de que gosto.


Esteja dito.

Mendes Júnior.

03 junho, 2007

Ao nascer de uma nova manhã


03/06/2007.
A vida é bela
O sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas
(Chico Buarque)

E quando todos decidem passar com pressa, correndo, caminhando, andando, sem reparar nos lados, sem sentir o som, sem se deixar invadir pelo perfume da brisa solta, com sorriso no rosto, sério, sem expressão alguma, em silêncio, cantando, conversando, em marcha pulsante, com tudo no lugar, com absolutamente nada, mas nada mesmo, onde deveria estar, disformes, corpos suados, desenhados, outros nem tanto, no começo de uma manhã, ao nascer do novo sol, numa antiga pedra banhada de sal, na areia morna, tranqüila e branca, lisa, sensível e saudosa, eis que um beijo surge tão diferente, tão desesperadoramente diferente, jamais visto tão cedo, tão claro, tão lúcido, tão brando... O beijo que não se ilude com o que está em volta – essa correria toda, uma coisa esteticamente confundida – e que, portanto, se insere na paisagem como a claridade nova, que não se faz de rogada e vem surgir diante da pontualidade de uma inesperada paixão, iluminando o abraço terno que durará eterno, que não se ajoelhará perante a tudo aquilo que é lançado contra o tempo; aliás, não se deve nunca declamar o tempo, sequer lembrar dele, não se aconselha a ver as horas – são ainda horas tão virgens, muitos ainda nem levantaram, nem leram as notícias –, afinal, as limitações do tempo de nada servem quando se pode beijar assim, quando se pode ver pela vez primeira o sol abrindo caminho pelas ondas do mar, quando se pode dispor da luz para fugir pela estrada que ele oferece – um tapete amarelo que se contorce ao movimento da água. Nuvem alguma seria capaz de conter o espelho que se forma bem aos olhos do desejo que não se furta em sonhar, em ir, sair, seguir, chegar até o final da vereda e transpor o brilho que se espalha pelos grãos, pela espuma, por toda a água – que os românticos sempre consideraram infinita – e pelos raios que tecem “versos como quem refaz a vida”. O que tornam as nuvens mágicas é justamente o momento em que elas insistem, por segundos, em ficar sobrepostas ao verdadeiro sol e deixam fios rosas extravazarem por frestas, afinal, as limitações do tempo de nada servem quando se pode beijar assim. Somente o beijo é tão demorado, como toda e qualquer magia, até por que coisa nenhuma vai além quando duas bocas se encontram, nada leva o pensamento tão deliciosamente longe, nada faz guiar dois corações com tamanha força. E os dois permanecem como se fizessem parte da antiga pedra banhada de sal, na “praia branca como tabuleiro de salina”, enlevados, assistindo ao instante incessante, com uma linha reluzente à frente, convidando – convidando não, intimando – para que todo o amor existente no mundo seja jurado, mas não com um juramento gélido, indelével, sangüíneo, desse que se vê aos montes, porém aquela espécie que faz sorrir de graça, do nada, da manhã ou, pelo menos, aquele que se declara solenemente com um beijo, um beijo como aquele; caso contrário, de que adiantaria viver? Deve-se existir em função de contemplações dessa natureza, toques assim, sentimentos assim, abraços assim, sonhos assim... Os outros, estes que vão e vêm, que não se dignam sequer a reparar nos lados, não viram nada, não sabem de nada, não pararam para nada, nunca vão entender o amor, nem ao menos vão sofrer por uma paixão, como cantou certa vez o poeta camarada. Eles, os dois, não; faziam parte de um mesmo contexto, aliás, que não seria muito nem exagerado afirmar que era deles tão-somente e de mais ninguém. Os segundos viraram minutos, que viraram horas, que viraram dias, e o sol nasceu, brilhou, resplandeceu, concedeu ao amor a linda estrada amarela, e cresceu, por fim, mas sem se importar com o tempo, afinal, as limitações do tempo de nada servem quando se pode beijar assim.

Mendes Júnior.
* Photo by André Adeodato.