31 dezembro, 2007

No último dia do ano


31/12/2007.


Acordei cedo no último dia do ano – ainda madrugada, com a televisão em plena funcionalidade no Canal Brasil (quem a deixou ligada?). Não sei se ainda tenho palavras para cantar em 2007 – acho que aquilo que queria dizer eu disse: inventei muita coisa, contei um bocado de histórias e aproveitei para falar um pouco de mim. Talvez neste ponto possa haver brechas. Por exemplo: não gosto de televisão, sou alérgico a crustáceos, nunca soube plantar bananeira, aprendi a dirigir com vinte e quatro anos (provavelmente por medo, embora não tenha me acontecido nada traumático no trânsito antes disto), passo distante de uma tomada (mais um medo, entretanto com razão: quando criança levei um baita choque na cabeça) e não danço forró – sou nordestino, mas tenho pavor de forró. Nada disto é tudo, mas bobagens que, certamente, não interessarão a quem quer que seja. O fato é que estou sem criatividade para lhes criar algo simpático. Acabo de chegar de um supermercado lotado – todos fazendo suas compras para a derradeira ceia do ano. Buscava apenas produtos de limpeza, (e como está tudo o olho da cara!), a fim de deixar minha casa asseada para o novo tempo, por mais que ache uma grande besteira esta coisa de ter esperanças temporais. A vida necessitava ser bem dividida e foi tão-somente isto que aconteceu: um dia com tantas horas e um ano com tantos dias. Os meus problemas de hoje serão igualmente os de amanhã, e serão muitos, assim como os comprimidos que terei de engolir para chegar ao final de 2008. Pelas minhas contas, se nada for piorado, o que parece impossível, visitarei meu psiquiatra doze vezes, relatarei como tenho passado, como tenho me comportado e como vai a minha cria inimiga. A bem da verdade, não gosto desta época do ano: não consigo me comportar de forma sensata e serena. Sei que muitos não gostam de Natal e Réveillon, mas ninguém é parecido – a dor é de cada um, nós (sozinhos) quem a sentimos, a gente é quem sofre. Pode parecer lógico, mas a minha angústia é minha e a sua é sua – não há dúvida. Pena que não estou com o chororó frouxo, como diz minha mãe, pois chorar fez bem. Tenho prazer no choro, a qualquer tempo e a qualquer hora. Por mim, celebraria a chegada do ano com um berreiro daqueles, mas não vou conseguir. Mais fácil será me encharcar de vinho argentino e presunto caramelado. A bebida fantasia um pouco os fluidos positivos e só descubro que isto não é saudável no outro dia, quando acordar no chão do meu quarto. Pensam que irei beber até cair? Não. Ainda não dissera, mas adoro dormir no chão. Aprendi isto durante as prévias do vestibular. Por alguma razão, amanhecia disposto e acabei cultivando isto com um vício, mas não é sempre que me acontece de preferir o chão frio ao aconchego de uma cama macia. Entretanto, amanhã, precisarei me levantar preparado, pois o dia em que se comemora a paz é para mim um campo de guerra – quase uma batalha sangrenta. Detesto domingos e feriados! Tive o privilégio de conhecer alguns lugares pelo mundo e afirmo categoricamente: domingo é tudo igual, aqui ou lá, ou como dizia minha avó materna: domingo é triste até no Rio de Janeiro, lugar que considero dos mais belos. É perfeitamente aceitável que você não leve em consideração nada do que acabo de escrever, e vai usar na noite de hoje um recém-comprado traje amarelo, branco ou vermelho como símbolo de um desejo a ser alcançado no próximo ano; abrirá um espumante francês como se o líquido adocicado jorrado servisse para lavar as aflições de outrora; jogará coisas ao mar e contribuirá sobremaneira para a poluição de nossas praias; e cantará aquela musiquinha chata dando adeus ao ano velho. Mas é bom acreditar em algo. Sou mais pessimista, além de aceitar somente aquilo que vejo: coisas concretas, materiais, com cheiro e forma. Mas não vou entrar em assuntos de natureza duvidosa – são maléficos. Outra coisa: não entendo por que se gasta tanto dinheiro com fogo de artifício. Todo ano, durante o festejo, uma cidade se supera na quantidade de fogos, que é medida pelos minutos, e todo ano fábricas, geralmente clandestinas, explodem pela incapacidade de gerenciamento matando pessoas. Quem ganha com isso? O empertigado administrador? Treze minutos de fogos não cansam a vista e o ouvido? Cuidado para não se queimar. No mais, deixarei o resto, se houver, para o próximo ano. Um brinde falso a todos!
Mendes Júnior
* Photo by Kim Ji Hae, "31/12/2005".

19 dezembro, 2007

Caixa de madeira VI


19/12/2007.


Nepomuceno jamais imaginaria a existência de uma Valquíria Callas no mundo. Mas existia e roubou a cena: glamourosa, arrasou, colocou a outra no bolso – a loirinha – e foi anunciada como a estrela da noite. Valquíria Callas tinha mais cintura e busto, portanto, tratava-se de uma fruta mais saborosa e suculenta. Além do mais, em cima da bancada improvisada de passarela, Valquíria Callas era a fantasia que revestia a viúva, que se guiava pela vontade de sobreviver, coisa para qual a outra, por ainda ser de pouca primavera, não havia despertado. Faz-se necessário muito mais para permanecer viva, pensava a viúva. A festança durou até a manhã do outro dia. Dona Jussara fez questão de que a casa fechasse suas portas juntamente com a saída do último cliente, que, coincidentemente, era o caminhoneiro que havia dado uma força a Nepomuceno há dias. Mas isto sei eu que lhes conto a história, pois o senhor das estradas apreciava carne fresca, com cheirinho de sabonete, intumescida de gotinhas de moça, e acabou se deitando com a loirinha. O caminhoneiro, no entanto, não era de muita conversa, talvez sequer contasse seus últimos minutos à viúva, caso fosse ela ali arreganhando as pernas e espairecendo a marreca, quanto mais dizer que na estrada apanhou um sujeito de quem não conhecia o nome, como se fosse raro conceder carona – não, ao contrário, eram muitas num mesmo dia. A viúva jamais poderia imaginar que estava tão próxima de notícias de Nepomuceno, de quem já não tinha tanta certeza de existir. E, quando aquele homem partiu trôpego, com seu cigarro-de-palha no canto da boca, no seu automóvel com a caçamba cheia de garajau, fedendo à galinha, foi decretado o fim das comemorações do quengal.

O menino acabou cochilando no banco da praça, o qual já considerava como um segundo reduto, ou, talvez, o primeiro e único em que se sentia verdadeiramente confortável. Tomou um baita susto quando a mãe sacudiu seu braço. Quase leva um tombo. A viúva trazia na outra mão um pedaço de pão com manteiga e leite gelado para o menino saciar a fome. É verdade que não se alimentava desde a noite, entretanto, diante da escassez de comida que ambos amargavam diariamente, pelo engabelo de dona Jussara, aprendera a controlar as ânsias do estômago. Pegou então cuidadosamente o pão e começou a comer cheio de educação. Entre a pausa de uma mastigada quis saber da mãe como havia sido a noite. “Tranquila, normal e comum”, disse-lhe a viúva, ainda marcada de cores escuras no rosto e um chupão no lado esquerdo do pescoço. O menino tinha certeza de que aquele tipo de resposta não deixava brechas para nenhuma outra pergunta. Apesar da pouca idade, já compreendia muito bem determinados fatos, e este era um deles. Pediu à mãe que lhe passasse o copo de leite. Bebeu como se desfrutasse um enorme sorvete de creme com passas: arriou os olhinhos e se deixou viajar na imaginação pela roda-gigante colorida e iluminada, que circulava somente com ele, que funcionava para ele, e ele sentado numa cadeira amarela se balançando e acenando lá de cima para viúva e o tio ventríloquo, que se abraçavam, comendo maçã-do-amor, feito um bonito casal. A bem da verdade, a roda-gigante descansava pálida ao lado do banco, e isto o menino se deu conta por causa de uma leve ventania de areia que o obrigou a voltar da viagem. Como se não bastasse, ainda encheu seu leite de grãos de areia. A viúva pensava na dor daquela criança; entendia que o máximo que podia fazer – aquilo que estava ao seu alcance naquele instante – era não chorar na sua frente, assim passaria a idéia de fortaleza, segurança, que tudo estava bem e que a vida se resolveria tão logo Nepomuceno aparecesse, “caso não estivesse morto”, pensou no vazio. Então a viúva passou a mão pela cabeça do menino, tocando delicadamente as longas unhas no seu couro cabeludo, a fim de tirar um pouco da terra que se incrustou nos fios. Era tanta sujeira que desistiu. “Vamos apostar quem chega primeiro na dona Jussara?”, propôs o menino e os dois saíram correndo como duas crianças lépidas e traquinas.

Passados cinco dias, o menino quedou-se numa rede com o corpo infestado de perebas. A princípio, pensou-se tratar de catapora, pois as feridas vieram acompanhadas de uma febre muito alta, mas logo foi descartada a possibilidade por um infectologista da região, assim como qualquer espécie de verme, mas que também não conseguiu identificar qual a moléstia. Havia outros sintomas: o menino estava vomitando sangue, tinha o solado do pé e a mão esbranquiçados, a visão rareava, atormentava-se a cada minuto com uma pontada muito forte à altura do estômago e, por fim, queixava-se de uma coceira incontrolável no ânus. Em se tratando de doença, duas coisas preocupavam a viúva: quando o médico não sabia diagnosticar ou quando a danada era considerada rara, pois, em todo caso, o médico ficava no patamar do paciente: vulnerável à vontade de Deus.

O fato é que, se o menino já era magricela, ficou a ponto de desaparecer de vez – tudo que colocavam na sua boca voltava empapado de sangue. Dona Jussara, que de boba nem o andar possuía, sugeriu à viúva duas coisas: fosse embora com a peste dali ou aumentasse o apurado da casa, sobrando-lhe apenas dez por cento por cada deitada. Não havendo outra solução, optou pela segunda; depois arranjaria um meio de conseguir os remédios do filho. As companheiras de meretrício se demonstraram tão más quanto dona Jussara. Ninguém se ofereceu para ajudar. Finalmente havia chegado o momento de se vingarem por Valquíria Callas ter-lhes tomado a clientela montada na grana. Riram como se desejassem o trágico. Era a única com filho na casa, embora não fosse considerado privilégio, já que para isto dona Jussara exigia muito mais. Para quitar a dívida com o infectologista, Valquíria Callas teve de ceder o corpo muitas vezes. Mas não era exatamente isto que mais lhe tirava o sono, mas não saber do problema do menino e até onde ele seria capaz de aguentar. Nepomuceno bem que poderia estar presente para socorrer ambos, murmurava a viúva.

Com a graça divina, uma vizinha de dona Jussara se apiedou da situação do garoto e sugeriu à viúva que lhe desse baba do coco de catulé. A viúva perguntou do que se tratava. “Catulé é um tipo de palmeira que dá uns cocos bem pequenos e a baba deles ajuda a curar doenças dos olhos. É fácil encontrar lá por aquelas bandas”, respondeu uma senhora de idade, apontando o indicador para o norte. “Mas o problema dos olhos do meu filho é apenas um entre tantos mais sérios!”, retorquiu a viúva, deixando a velhota furiosa. “Pois que seu filho morrar!”, gritou.

A história da enfermidade misteriosa correu Massapê e a população exigiu das autoridades providências, e rápidas. A medida mais sensata seria afastar do convívio social o menino por medo de que o mal fosse contagioso. Para desespero da mãe, levaram-no para o isolamento do hospital público. A cena na casa de dona Jussara foi das mais horripilantes: era a viúva puxando pelo braço da criança, tentando impedir o afastamento, enquanto três brutamontes vestidos de branco, sem dificuldades, se encarregavam de colocar o fiapo de gente dentro da ambulância. Momento algum o menino esboçou reação – parecia não saber do que se passava. Ou não lhe restava força. Já há muito não enxergava nada e sentia muita falta das luzes da roda-gigante. Sonhava acordado com as fluorescentes e seus celofanes coloridos.

“Era o mais acertado a se fazer”, dignou-se a dizer dona Jussara à porta de casa.
Mendes Júnior
* Photo by Elberg, "Poupée # 12".

13 dezembro, 2007

... e saiu barata


13/12/2007.


É claro que também não acreditaria, mas é pura verdade. A verdade pode ser pura ou impura? Sendo impura, não seria uma baita de uma mentira? No entanto, o popular faz a gente escorregar, e rimar, por assim dizer. Pois bem, o menino – não mais que dez anos – foi sugado pelo caminhão de lixo e saiu barata, diante de todos. Sim, barata! Acho que me apressei na narrativa – pardon! Portanto, ainda agora aconteceu esse fato, que me deixou perplexo, mas ao mesmo tempo encantado. Fumava um cigarro pé-duro à janela, durante a pausa de uma história teimosa que há dias tento colocar no papel, ao som de Billie Holiday, Autumn in New York, quando vi certo alvoroço na calçada, perto de um caminhão verde. Pelo cheiro maldito, identifiquei como sendo o responsável por recolher o lixo-nosso-de-cada-dia e levar para o mais distante possível. Sempre pensei ser a profissão de lixeiro a pior de todas, com o devido respeito ao lixeiro que me lê neste instante, mas isto por não ter me dado conta de que há algo bem próximo ganhando a vida literalmente dentro do lixo: as mulas humanas. Antes que alguém se queixe por não saber o significado de mula humana, afirmo, sem medo de errar, que todos somos sabedores, embora não estejamos atentos, tal qual o significado de um sonho, que não sabemos que sabemos qual seja por causa de uma barreira de recalcamento que separa o inconsciente do consciente. Para o caso da mula humana, provavelmente, deve haver algo parecido impedindo nossa atenção. Confusa a psicologia? Sobremaneira, diria um amigo comum, mas, voltando à narrativa, refiro-me àqueles humanos (?) que circulam pelas ruas carregando, com a força dos membros superiores, debaixo de sol e chuva, dia e noite, domingo e feriado, baús com rodas, (geralmente caixas metálicas de geladeiras antigas sobre pneus de carro de passeio), os quais são entupidos de todo tipo de porcaria encontrada durante o longo percurso: papel, plástico, ferro, vidro, madeira, enfim – que futuramente será vendida sabe lá Deus a quem. Às vezes o baú transforma-se em meio de transporte da garotada e acabamos por ver pequenas cabeças balançando e bocas abertas se alimentando de ar. Confusa a poesia? Por certo, insistiria o amigo – i’m sorry, my friend, but... O certo é que, tão logo o caminhão estacionou diante de minha casa, muitas mulas humanas surgiram de não sei que lugar para retirar de sua caçamba tudo aquilo que poderia ser vendido (engraçado: aquilo que para nós não tem mais valor). E era um empurra-empurra danado para pegar (n)o entulho – pareciam ratos gigantes – até que, como disse, uma mula de uns dez anos de idade foi praticamente chupada pelo triturador de sujeira, que ficava na parte traseira do veículo. Não houve sangue nem barulho de osso se quebrando, mas o menino desapareceu em meio ao lixo. Há dois verbos que podem ser usados nesta última frase: misturar e somar. Algo me diz que aplicados ao contexto dá na mesma, já que não voltou mula, mas barata – uma barata d’água – por pouco tempo, pois alguém pisou nela com gosto.
Mendes Júnior
* Photo by Mariano Zuzunaga, "Squeezed Can".

01 dezembro, 2007

Lacanastrão


01/12/2007.


Foi a primeira toada que Totonho Candeia pronunciou quando Marlúcia entrou no boteco: “Ai, querida, desse jeito assim não dá mais para viver!”, fazendo correr pelas mesas risinhos de deboche da rapaziada. Totonho Candeia já estava mergulhado no álcool desde a manhã. Não almoçara em casa, conforme o combinado com a madame para o feriadão, e já passava da hora da janta e o diabo do homem ainda bebendo como se o mundo não tardasse a acabar. É claro que no estado etílico em que se encontrava muita coisa havia perdido o sentido, menos a marcação cerrada de Marlúcia: “Vim te buscar, Totonho!”, falou com zanga no sangue. Não que fosse ciumenta, ao contrário, o danado é que passava dos limites vez por outra. Mas aquela encenação de Marlúcia causaria constrangimento até num pastor e, portanto, ficou ferido – uma batuta no brio: “Ai, querida, desse jeito assim não dá mais, para!”, jogou o cigarro fora, pisou o resto da brasa e seguiu sem olhar para os lados. Marlúcia jogou umas cédulas na mesa e caminhou próxima ao trôpego-mulambento-embriagado-corpo. No entanto, Marlúcia começava a se arrepender da atitude: amava e era capaz de tudo para que não houvesse discórdia entre os dois, mas ele já estava na rua fazia tempo e aquilo foi se tornando numa preocupação gigantesca. Não tinham filhos, somente um ao outro. Totonho Candeia bateu com força a porta, por pouco não arranca as duas tábuas velhas. Foi direto, sem escalas ou conexões, para o fundo da rede vermelha e ligou o rádio bem baixinho. Com a expressão amarrada, gritou, já com a cabeça forrada no lençol: “Ai, querida, desse jeito assim não dá mais!”, levando-na a urinar a calcinha de algodão diante do medo. Uma paixão sem-vergonha alimentava a união, (mais ainda por causa dela). “Desculpa, Totonho...”, disse, com lágrimas espalhadas pelo fino rosto, mas ele subitamente virou para o lado oposto e bufou. As mãos dela tremiam, ainda assim teve coragem de tocar na varanda da rede: “Totonho?”, murmurou em súplicas. O receio de Marlúcia banhava-se na hipótese de Totonho Candeia ir embora, (abandono de lar), e pelo modo como falava – “Ai, querida, desse jeito assim não dá!” –, parecia fato consumado, entretanto Marlúcia tinha um gingado manhoso. Conduziu levemente o próprio corpo à rede. “Ai, querida, desse jeito assim não!” – deu um chega pra lá na coitada, que não se fez de rogada e permaneceu misturada naquele conjunto (melhor: naquele latíbulo): lençol, rede, ele, ar de cachaça, fumo e um fio sonoro que vinha do rádio. Marlúcia deu um cheiro em seu cangote e pôs a coxa no meio de suas pernas. Começou a ceder à tentação: “Ai, querida, desse jeito, assim...”, e mordiscou o lábio inferior. Marlúcia foi abrindo de forma cadente a bermuda dele. Claramente não houve oposição, ao contrário, até se esforçou em ajudar. O membro de Totonho Candeia saltou rígido, e então sentiu a mão sem a atadura negra mergulhando como um molusco cego entre as algas da sua ansiedade. “Ai, querida, desse jeito”, disse, em sinal de aprovação. Marlúcia, além da perfeita manipulação da glande, deslizava a língua pelo peito cabeludo de Totonho. Não existia mais o medo de outrora. “Ai, querida, desce”. Obedeceu levando a boca gulosa até o cajado de Totonho Candeia, que se contorcia todo agarrado ao punho da rede, tamanho o prazer proporcionado pela cavidade bucal da parceira. “Ai, querida...”, sussurrou em sintonia com o êxtase. Naquele instante não importava o almoço perdido, o jantar frio, o feriado, o dia, a voz do rádio, enfim, nada, mas tão somente o latejante gozo: “Ai!”
Mendes Júnior
* Publicado na Revista Vagalume, em agosto de 2008;
** Photo by Nobuyoshi Araki, "Untitled".