17 abril, 2008

Acenderam uma fogueira em Itaitinga


Sem data.


Umberto Eco teve sua estréia na ficção com O nome da rosa, em 1981. Este famoso livro, que já foi inclusive às telas da sétima arte, é relevante para a literatura universal; sem dúvida, justificativas para esta afirmação não faltam. O escritor italiano, em boas páginas, tratou da questão da destruição de livros, neste caso, por razões religiosas. O nome da rosa era uma expressão usada na Idade Média – já que o ano é 1327 – para combater o infinito poder das palavras. E outro detalhe é que um dos personagens, Jorge de Burgos, um monge que serve de guardião da biblioteca de que trata nesse clássico, foi inspirado no escritor argentino Jorge Luis Borges – um apaixonado por livros. Para Borges, a leitura tinha um papel fundamental em sua obra, por isso, nunca abandonou o livro. Não se considerava melhor escritor do que leitor: “Mis libros (que no saben que yo existo) / son tan parte de mí como este rostro (...)”.
A vida de um livro – digamos desta forma –, no entanto, se confunde com aqueles que querem ceifá-la e os que a querem ad infinitum. O fato é que não é de hoje que interesses outros levam o livro à guilhotina, ou melhor, à fogueira. Por razões religiosas, políticas, morais, econômicas e guerras aos montes, a história nos conta que cerca de 75% da literatura, filosofia e ciência antiga escritas tenham se perdido. Como triste ilustração, poderíamos citar que, durante a Revolução Francesa, somente em Paris, foram queimados mais de oito mil livros[1]. Nossas lágrimas, se o tempo nos permitisse fazer uma viagem fantástica ao passado, imbuídos de uma mentalidade “borgiana”, por certo, seriam capazes de apagar toda essa chama atroz, que conseguiu diminuir a humanidade. Mas bem que nosso choro não precisa ir tão longe: basta que o levemos a Itaitinga – cidade situada na Região Metropolitana de Fortaleza, no Estado do Ceará.
Infelizmente, a despeito da nossa peculiar escassez de livros e de leitores, ainda existem pessoas que cometem o bárbaro “crime” de vender livros para uma sucata; aliás, quase duas toneladas de livros didáticos. Sim, sucata! Alguém, no entanto, há de se questionar por que os livros da criançada de Itaitinga foram vendidos ao sucateiro da primeira esquina. Será o tal sucateiro um colecionador de livros? Um mecenas? Um leitor voraz? Bem, estas perguntas só serão devidamente respondidas após a apuração pelos órgãos competentes. Depois de quatro meses, nenhuma vivalma foi punida. Paira um silêncio sepulcral. Em sua assertiva, o escritor Monteiro Lobato (é difícil não citá-lo) foi quem melhor definiu um País “não-bandalha”, ao anunciar que um País (de verdade) se faz de homens e de livros. Então, assim sendo, e matematicamente falando, se para cada quilo de livro o sucateiro pagou R$ 0,10, totalizando R$ 195,00, por certo, nosso País é bandalha e deve valer uma ninharia.
Sob o argumento de livros inservíveis, um(a) funcionário(a) da Prefeitura de Itaitinga vendeu ao “Neguinho da Reciclagem” – como é conhecido carinhosamente o sucateiro-comprador-de-livros –, uma montanha de livros – diz a denúncia[2]. Consultando o infalível Dicionário Aurélio, sabemos que a palavra “inservível” significa aquilo que não serve, aquilo que não tem utilidade, aquilo que não presta serviço. Pois bem, segundo a Secretária de Educação do Município, o termo é (foi) utilizado para identificar os livros com mais de três anos de existência. Sério? Sério! Portanto, senhoras e senhores, levantar-me-ei já e acenderei uma fogueira enorme que comporte minhas duas estantes com livros antigos, raros, de edições especiais e primeiras, carcomidos pelas traças, embriagados pelo tempo, ou, quem sabe, conseguirei o telefone de algum ferro-velho para levar daqui esses trambolhos inservíveis que ocupam parte da casa. Qual nada! Livro não tem prazo de validade e não merece nada disso. Não precisamos copiar um absurdo dessa monta, do contrário nossa história se dissiparia. “Onde queimam livros, acabam queimando homens”, disse o poeta alemão Heinrich Heine, ou reproduzindo o próprio Umberto Eco: "A história das civilizações é uma sucessão de abismos em que toneladas de conhecimento desaparecem". Veio-me ainda agora, à lembrança, a linda e conhecida foto-cena de três elegantes senhores, sobre os escombros da biblioteca Holland House, em Londres, no ano de 1940, após um bombardeio alemão, olhando cuidadosamente as lombadas dos livros sobreviventes nas gigantes prateleiras. Parecem homens solitários, mas não: estão com os livros.


[1] BÁEZ, Fernando. História universal da destruição dos livros – Das tábuas sumérias à guerra do Iraque. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006;
[2] Jornal O POVO, 27 de fevereiro de 2007.

Mendes Júnior
* Publicado na Cronópios, em 16/04/2008;
** Photo by Daniel Curval, "Farenheit 451".

5 comentários:

Mariana Sanford disse...

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