14 fevereiro, 2008

O último ponto


13/02/2008.


Bastou colocar o último ponto no livro que escrevia há séculos para sentir o peso da solidão. Era como se uma grande paixão tivesse mudado de nacionalidade – ido embora definitivamente e casada – ou o belo animal de estimação tivesse desaparecido em vala comum. De repente, despertou e procurou no dia o sentido da vida (a seguir). Não havia nada de concreto que fazer senão acomodar a angústia no peito e suspirar. Já não precisava de tanto café. Já não precisava se manter aceso. Já não precisava se preocupar com pessoas imaginárias: elas felizmente tinham suas histórias bem contadas em muitas folhas escritas. A bem da verdade, seu destino é que parecia não ter qualquer convicção, ou seja, a partir daquela manhã, sua atenção deveria se voltar para o espelho. Levantar da cama, por si só, foi uma tarefa hercúlea. Folhear jornal ou revista ou livro que fosse não era exatamente aquilo que procurava para preencher o tempo, que agora sobejava assustadoramente. O apartamento se transformara num terrível castelo, com muitas portas, infinitos corredores e de paredes grossas, portanto, em assim sendo, não reconhecia um palmo à sua frente – tudo estranho ao cotidiano de então. “Pesadelo” – murmurou. Lembrou de que havia passado por algo idêntico quando estivera de viagem (sozinho) a Berlim. Culpou o ar triste do povo alemão. Foram quatro dias, incluindo um domingo, hospedado num albergue próximo a um canal imundo. A mistura desagradável o fez decidir por escrever uma história que se passaria naquela cidade, situando as ações das personagens dentro de aspectos de depois da queda do famoso muro, embora nunca tenha estado em Berlim enquanto existente a divisória de concreto e ferro. Mas a idéia era de um romance e isto significava liberdade. E foi o que aconteceu. Foram necessários intermináveis dias para concluir a tal obra, mas agora as quase mil e quinhentas páginas estavam prontas e acabadas. Deu-se novamente a sensação de orfandade, se nos é permitido abordar o fato desta maneira. No lugar da euforia da vitória, a melancolia de ter perdido a mola propulsora do confronto individual. Entendeu quando certa vez alguém lhe disse que durante nossa existência nunca estamos completamente satisfeitos, ou seja, sempre queremos mais alguma coisa e, em caso contrário, é por estarmos mortos e enterrados. Com certeza. E finalmente encontrou dentro do castelo a cela donde se realizara a história. Havia tão-somente uma mesa e uma cadeira, bem como as várias folhas empilhadas em ordem decrescente. Tomou de assalto a derradeira página onde até bem pouco colocara o ponto final. “Na vida sempre buscamos algo mais” – repetiu. Na ausência de lhe impor o novo e desconhecido, preferiu continuar em terreno sóbrio. E aquele ponto já não mais era o último, pois, caso fosse, seria confundido com a própria morte.
Mendes Júnior
* "Desperation" by Ramon Carulla.

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