16 fevereiro, 2008

Domingo de futebol


16/02/2008.


Ontem pareceu mais um domingo, mas não era domingo. Qual o problema do domingo, afinal? Ora, digamos que tristeza maior não há em lugar algum. Deveria ser uma espécie lacônica e módica, em que fosse possível se dedicar ao flauteio com ventura, no entanto, é plúmbeo e inoportuno. Quase me arranco um naco de pele assistindo à televisão. Penso ter sido a notícia que vi mais cedo, fato este que considero como sendo a estúpida razão que me ministrou doses homeopáticas de melancolia. O Veranopoliense perdeu mais uma. E de goleada. Sabe lá Deus o que acontece com o escrete do Veranopoliense que não consegue ganhar de ninguém. Há pelo menos dez temporadas ninguém tira sua última colocação. E não é por falta de reza, pois só o treinador, que é o mesmo desde sua fundação, já pagou promessa até em açude com piranha. Já se propagou milhões de vezes a culpa do Felisberto – o técnico – por insistir na escalação do Pipiu para atuar na frente, já que, quando ainda garoto, era um goleiro de mão cheia. Vê-se que a casa está desarrumada. O ponta-esquerda noutro jogo pediu para sair por causa de um desarranjo. Insistem alguns que o mesmo foi visto noite anterior na famosa seresta ao lado da delegacia, com uma comadre morena, banhado em cachaça de pote. Fico a me perguntar donde o presidente do Veranopoliense arruma dinheiro para pagar a rapaziada, já que as atuações são tão vergonhosas que o correto seria o sujeito que vai ao estádio tomar ciência da atuação do Veranopoliense receber qualquer coisa em troca das horas perdidas. Se bem que a folha de pagamento não é lá essa coisa toda, mas o minguado, em minha opinião, não é merecido. Dizem que vem da jogatina clandestina. Pois bem, sem entrar no mérito da administração, mais uma derrota para a sua coleção. Cinto tentos a zero. Dois gols contras do Chico Mia, o zagueiro mais velho do futebol mundial: 47 anos. É verdade que não se pode dizer que o esquadrão do Veranopoliense não faz gol. Faz. Mas contra. Por azar os jogos do Veranopoliense nunca fazem parte da relação da lotérica, pois os placares eram cartas marcadas, favas contadas e chuvas em terrenos alagadiços. Qual o time que joga contra o Veranopoliense? O Fulano de Tal. Pois minha aposta é no Fulano de Tal, claro. A última vez que me dignei a chorar pelo Veranopoliense foi quando sua primeira vitória parecia certa e madura. As nossas têmporas suavam em bica naquela tarde de domingo. Faltavam dois minutos no máximo para acabar a partida, ocasião em que o árbitro apontou escanteio contra nosso escrete. Houve um chiado geral. Porém a torcida estava em polvorosa nas arquibancadas comemorando o momento histórico que se concretizava a cada segundo. O problema todo se deu com o goleiro Peixoto, que entendeu de meter a bola para dentro da própria rede quando esta sobrevoava sua cabeçorra. Foi um golpe fatal. Muitos quiseram invadir o gramado para esquartejar o pobre Peixoto, que correu como nunca. Desapareceu pelo matagal. Durante anos não se soube do paradeiro dele, mas outro dia vieram com uma prosa de que estivera envolvido em seqüestro de bezerro. Parece que agora sua atividade é o crime. Não duvido nada. Quem atira no próprio pé é o maior criminoso de todos. E ainda me fez esvair em lágrimas portentosas aquele safado. O meu problema não é o domingo em si, mas o Veranopoliense, que deixou de figurar nos anais do esporte bretão como galante para ser fadado ao time que mais gols contras fez desde que um inglês resolveu chutar uma coisa redonda.
Mendes Júnior
* "In my heart", by Warawut Intorn.

14 fevereiro, 2008

O último ponto


13/02/2008.


Bastou colocar o último ponto no livro que escrevia há séculos para sentir o peso da solidão. Era como se uma grande paixão tivesse mudado de nacionalidade – ido embora definitivamente e casada – ou o belo animal de estimação tivesse desaparecido em vala comum. De repente, despertou e procurou no dia o sentido da vida (a seguir). Não havia nada de concreto que fazer senão acomodar a angústia no peito e suspirar. Já não precisava de tanto café. Já não precisava se manter aceso. Já não precisava se preocupar com pessoas imaginárias: elas felizmente tinham suas histórias bem contadas em muitas folhas escritas. A bem da verdade, seu destino é que parecia não ter qualquer convicção, ou seja, a partir daquela manhã, sua atenção deveria se voltar para o espelho. Levantar da cama, por si só, foi uma tarefa hercúlea. Folhear jornal ou revista ou livro que fosse não era exatamente aquilo que procurava para preencher o tempo, que agora sobejava assustadoramente. O apartamento se transformara num terrível castelo, com muitas portas, infinitos corredores e de paredes grossas, portanto, em assim sendo, não reconhecia um palmo à sua frente – tudo estranho ao cotidiano de então. “Pesadelo” – murmurou. Lembrou de que havia passado por algo idêntico quando estivera de viagem (sozinho) a Berlim. Culpou o ar triste do povo alemão. Foram quatro dias, incluindo um domingo, hospedado num albergue próximo a um canal imundo. A mistura desagradável o fez decidir por escrever uma história que se passaria naquela cidade, situando as ações das personagens dentro de aspectos de depois da queda do famoso muro, embora nunca tenha estado em Berlim enquanto existente a divisória de concreto e ferro. Mas a idéia era de um romance e isto significava liberdade. E foi o que aconteceu. Foram necessários intermináveis dias para concluir a tal obra, mas agora as quase mil e quinhentas páginas estavam prontas e acabadas. Deu-se novamente a sensação de orfandade, se nos é permitido abordar o fato desta maneira. No lugar da euforia da vitória, a melancolia de ter perdido a mola propulsora do confronto individual. Entendeu quando certa vez alguém lhe disse que durante nossa existência nunca estamos completamente satisfeitos, ou seja, sempre queremos mais alguma coisa e, em caso contrário, é por estarmos mortos e enterrados. Com certeza. E finalmente encontrou dentro do castelo a cela donde se realizara a história. Havia tão-somente uma mesa e uma cadeira, bem como as várias folhas empilhadas em ordem decrescente. Tomou de assalto a derradeira página onde até bem pouco colocara o ponto final. “Na vida sempre buscamos algo mais” – repetiu. Na ausência de lhe impor o novo e desconhecido, preferiu continuar em terreno sóbrio. E aquele ponto já não mais era o último, pois, caso fosse, seria confundido com a própria morte.
Mendes Júnior
* "Desperation" by Ramon Carulla.

08 fevereiro, 2008

Notas de Jornal

"O engraxate e outros suicidas
Mendes Júnior
Compreende esse livro uma reunião de narrativas curtas, naturalmente sob a delimitação de tempo, de espaço e com um número reduzido de personagens. As temáticas giram em torno das experiências comuns à pós-modernidade: a desintegração do ser humano em meio a um mundo fragmentado. As personagens, desse modo, estão sempre tomadas por um sentimento de perda, de desilusão, envoltas em incomunicabilidade".
(Caderno de Cultura, Jornal Diário do Nordeste, 03/02/2008).