29 abril, 2007

Indicações Musicoliterárias


Como diria a desgastada máxima, matemos dois coelhos com uma só cajadada. O jornalista de música, produtor de rádio e professor Ashley Kahn se debruçou, ou melhor, deitou os ouvidos na história da obra-prima de Miles Davis: Kind of Blue. Ashley Kahn teve acesso às fitas master da gravação do disco - considerado por alguns especialistas como o maior de jazz de todos os tempos - e a honra de colocar as mãos em alguns documentos desse momento histórico da música nos arquivos da Columbia Records. Com todo esse material, restou ao jornalista escrever a biografia do disco, que acaba de ser lançada pelo selo Barracuda, cujo título é "Kind of Blue - A história da obra-prima de Miles Davis". O prefácio é de Jimmy Cobb, o único sobrevivente do sexteto, que ainda tinha John Coltrane, Bill Evans, Cannonball Adderley, Paul Chambers e Winton Kelly, além do sagrado Miles Davis. O livro trás tudo o que se passou no estúdio em 1959, ano em que foi gravado o disco - muitas histórias, muitas fotos, muitos relatos, muitas curiosidades e a prova de sua eternidade: "Em termos de seu impacto modal no mundo do jazz, da popularidade de seu som e composições com outros músicos e da trajetória aparentemente ininterrupta de seu sucesso entre consumidores da música, o álbum se alastra como uma enorme sombra". Ninguém se arrependerá de um dia escutar Kind of Blue; aliás, agradecerá.
Esteja dito.
Mendes Júnior.

28 abril, 2007

Uma alma sem direção


Algumas palavras foram criadas para decifrar a cantoria da tristeza, outras para os instantes-rompantes de esperança, algumas para rasgar em pedaços bem pequenos as manhãs e as noites silenciosas, e ainda palavra "como uma fenda de luz na escuridão". Mas, independente de consoantes e vogais, todas nasceram da voz que insiste em falar de dentro da alma. Pois bem, é esta voz que Germana Matos nos faz escutar com sua doce-triste poesia, assim como em "Lugar".


LUGAR

Ventos e pensamentos perdidos na praia deserta
Areia fria no fim do dia
Olhos procuram o que não podem encontrar
Sonhos sem dimensão
Misturam-se às ondas que quebram no mesmo som
De um ser vazio
O sentimento que explora a alma sem direção
Traz o lamento de um tempo que parte a cada hora
Em largos passos de ilusão
Um pássaro vaga na calmaria
Aroma de paz que desliga as luzes e a agonia
Parece que há tão pouco tempo me vestia de coragem
Para enfrentar o que queria
Mas só eu consigo ouvir o grito
Desbravando o infinito de uma vida
Agora a brisa seca as lágrimas
E apagam os traços de luta
Cansada de uma busca que não finda
A paz inebriante deste lugar
Onde quero ficar sozinha
Inconstante
Como sempre estive
Durante toda minha caminhada

Germana Matos

O nome dela



CRÔNICA, 06/06/2006


Sempre a via passar no mesmo horário. Muito embora soubesse disto, mesmo assim, comecei a antecipar meu desjejum por causa do medo de que algo acontecesse e eu ficasse a ver navios. Era como se o meu dia dependesse da impressão que ela concederia aos meus óculos de grau. Isto deve ter durado algo em torno de dois meses e dia, além de uma conta exorbitante na padaria, até que fosse tomado pela emoção de ir ter com ela.

Na primeira vez que a vi, fiquei deslumbrado. Ela era bela. Parecia que nunca tinha sido de outra forma durante toda a vida. Lembro-me com detalhes de como se portava naquela manhã: um blazer cor de tangerina combinando com uma blusa preta, um salto marrom escuro, os cabelos presos por uma espécie de elástico, uma pasta de couro à altura do busto e, no semblante, uma certa preocupação com o horário. Sem dúvida, estava atrasada. Talvez, por esta razão, nem por um segundo tenha desviado sua atenção do rumo da frente; se assim o fizesse, provavelmente, encontrar-me-ia com a metade de um pão francês lutando por espaço dentro da boca. Foi melhor.

Nunca fui afeito à fácil amizade, mas tive de abrir uma exceção para tentar descobrir sua graça. Do garçom ao português dono da padaria, ninguém sabia informar. Aos poucos, sem que notasse, estava no meio de uma investigação pertinaz e silenciosa. E para que detalhe algum me fugisse da cachola, passei a fazer rápidas anotações no meu jornal; mais precisamente no espaço destinado às cruzadas. “Horizontais – 68. Rio que corta a cidade de São Paulo: hoje ela desceu a rua com um ar de felicidade”. É claro que os quadrinhos eram menores do que as observações, mas não corria o risco do flagrante de minha indiscrição.

A cada nova manhã, minhas elucubrações ganhavam corpo. Ela tinha rosto de Tereza, jeito de Maria, forma de Raimunda, boca de Joana e pernas de Sebastiana; tinha cabelo de Francisca, pele de Elisa, sorriso de Heloisa e aparência de Marisa; andava apressada como se não tivesse nome, mas rebolava como se tivesse todos; triste, parecia Cristina; feliz, também se parecia com Cristina. Sobressaltei-me algumas vezes. Com o tempo, em meio ao leite-morno-pingado-adoçado, perdi-me.

Pensei em desistir, mas já havia levado por demais adiante essa história. Não que estivesse completamente apaixonado por ela; estava era obcecado pelo nome dela. Provavelmente, conhecendo-a melhor, acabaria conquistando essa beltrana ou fulana ou sicrana. E por ser linda, bem que poderia ser Rosalinda. Fiquei nisto: seu nome era Rosalinda. E somente quando comecei a dividir minhas nobres noites de sono com cartas de amor endereçadas a uma suposta Rosalinda, foi que resolvi acabar com o mistério. Afinal, eu já freqüentava aquela padaria há meia centena de horas e quarenta cafés da manhã, aproximadamente.
Ao levantar da mesa, deixei-me guiar por uma só idéia: o nome dela fazia jus à sua beleza. Rosalinda tinha origem na Espanha e significava a junção de rosa com linda – tudo que ver. Nem precisava dos meus enormes cálculos para chegar ao resultado desta equação. Era simples: rosa mais linda era igual a esta moça desconhecida. Bastou um trote e pronto. “Com sua licença, senhorita” – adentrei com uma conversa fiada. “Desculpa interromper seu ritmo, mas suas feições lembram-me alguém muito familiar. Sem querer ser indelicado, a senhorita poderia me declinar a graça?” Notei um certo ar de constrangimento antes da sentença. “Himineia Terebentina Ministéio Salgado” – anunciou-me. Achei que nem precisava dizer o nome completo; tinha certeza de que este romance não ia vingar. Eu só tinha ido mesmo tomar um café. “Foi engano. Passar bem”.
Mendes Júnior.

27 abril, 2007

Noite inesquecível


Artigo, 27/04/2007

O que dizer de um show que começou pontualmente no horário marcado na entrada? O que dizer de um show com trinta e três músicas? O que dizer de um show com duas horas de duração, sem nada de intervalo? O que dizer de um show com dois bis? O que dizer de um show esperado por quase nove anos? E quando o show é de um senhor, chamado Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido por Chico Buarque? Pois bem, isto aconteceu no Siará Hall, em Fortaleza, durante os dias 24 e 25 de abril. E foi maravilhoso, quiçá inesquecível.
Chico Buarque desembarcou em Fortaleza para lançar seu novo álbum “Carioca”, mas, além das doze canções deste disco, ele ainda nos brindou com “Morena de Angola”, inovando com o dedilhado num instrumento de percussão, chamado kalimba, a lindíssima “Mil perdões”, “Eu te amo”, a inesquecível “Bye bye Brasil”, “Morro Dois Irmãos”, “Sem compromisso”, “Quem te viu, quem te vê”, “João e Maria”, entre outras, outras e outras. É claro que para quem gosta do Chico foi um prato cheio.
Quanto ao show em si, o que se pôde ver no palco foi um já sabido Chico tímido, de pouca conversa. Deu um boa noite a Fortaleza, agradeceu pelo carinho, fez uma brincadeira por causa de sua voz que estava (imperceptivelmente) falhando, chamou o contrabaixista Jorge Helder de irmão cearense, no embalo da canção “Bolero Blues”, de parceria dos dois, e ensaiou sambar quando o baterista Wilson das Neves assumiu o microfone para cantar “Grande Hotel”. Pronto. Foi isto. Porém – não se pode esquecer – foram muitos sorrisos contidos, de canto de boca, e olhares de satisfação para o público que lotou a casa de espetáculo. Esta foi a forma com que Chico se comunicou – é o seu jeito. O resto a música se encarregou de fazer, e o fez muito bem, como no momento em que foi entoada com “Imagina”, ao compasso de um dueto com a tecladista Bia Paes Lemes, ou quando foi resgatada lá do álbum Almanaque, de 1981, com “As vitrines”: “(...) Passas em exposição / Passas sem ver teu vigia / Catando a poesia / Que entornas no chão”.
Nós que estávamos do outro lado, especificamente na platéia, agradecemos por cada segundo na companhia de Chico Buarque. Sem contar que nos enturmamos fácil...
Mendes Júnior.

Vídeo da música João e Maria, gravado ao vivo, em Fortaleza: http://www.youtube.com/watch?v=UOJhPVITz8o

SET LIST DO SHOW:
1- Voltei a cantar (de Lamartine Babo)
2- Mambembe (do disco "Quando o Carnaval Chegar", de 1972)
3- Dura na Queda ("Carioca", 2006)
4- O Futebol ("Chico Buarque", 1989)
5- Morena de Angola ("Vida", 1980)
6- Renata Maria ("Carioca", 2006)
7- Outros sonhos ("Carioca", 2006)
8- Imagina (Trilha do filme "Para viver um grande amor", 1983, regravada no "Carioca", 2006)
9- Porque era ela, porque era eu ("Carioca", 2006)
10- Sempre ("Carioca", 2006)
11- Mil perdões ("Chico Buarque", 1984)
12- A história de Lily Braun ("O grande circo místico", 1983)
13- A Bela e a Fera ("O grande circo místico", 1983)
14- Ela é dançarina ("Almanaque", 1981)
15- As atrizes ("Carioca", 2006)
16- Ela faz cinema ("Carioca", 2006)
17- Eu te amo ("Vida", 1980)
18- Palavra de mulher (Trilha do filme "Ópera do Malandro", 1985)
19- Leve ("Carioca", 2006)
20- Bolero Blues ("Carioca", 2006)
21- As vitrines ("Almanaque", 1981)
22- Subúrbio ("Carioca", 2006)
23- Morro Dois Irmãos ("Chico Buarque", 1989)
24- Futuros Amantes ("Paratodos", 1993)
25- Bye bye Brasil ("Vida", 1980)
26- Cantando no toró ("Francisco", 1987)
27- Grande Hotel (Gravada no disco "O som sagrado", de Wilson das Neves, em 1997)
28- Ode aos ratos ("Carioca", 2006)
29- Na carreira ("O grande circo místico", 1983)
PRIMEIRO BIS:
30- Sem compromisso ("Sinal Fechado", 1974)
31- Deixe a menina ("Vida", 1980)
SEGUNDO BIS:
32- Quem te viu, quem te vê ("Chico Buarque de Hollanda Vol. 2", 1967)
33- João e Maria (de 1977, registrada no CD Bônus da caixa "Construção", de 2002)

23 abril, 2007

Dia Internacional do Livro - 23 de Abril

Biblioteca da Holland House, em Londres, após bombardeio, em 22/10/1940.


O significado do livro

Livro deveria ser como o chão
Que se pisa, o ar que se respira,
A namorada que se está
Esperando.
Livro também pode TER
Gosto de saudade, mas deve
Ser companheiro no presente,
Amigo no futuro.
O livro não é só para ser lido,
Mas ser palpado, olhando,
Cheirado, saboreado, ouvindo,
Deglutido, metabolizado.
Livro não pode ser proibido.
Livro não pode ficar escondido
Em bibliotecas, envelhecendo
Sem viver.
Livro é um eterno movimento,
Que passa de mão em mão,
Ondulando os mares da sabedoria.
Livro deveria ser como brinquedo,
Completando o 'homo ludens'.
Livro é perfume do espírito.
Livro é viagem. Livro é pergunta,
É resposta.
Livro é começo e o sinônimo
Da LIBERDADE.


Ronaldo Simões Coelho.

21 abril, 2007

Publicações



Estou presente na publicação da antologia do 1º Concurso Guemanisse de Crônicas e Trovas.



"'Encontros' apresenta os textos vencedores do 1º Concurso Guemanisse de Crônicas e Trovas, bem como diversos autores que tiveram suas obras pré-selecionadas. Na apresentação da obra, o professor, médico e pintor Dácio Jaegger aponta os itinerários possíveis para os novos escritores e registra algumas dificuldades técnicas já superadas.
Correios utilizando-se de lombo de burro, estafetas a cavalo, carruagem, ônibus e caminhões, barcos e aviões era o meio de ligação entre escritores e candidatos ao mister, até o advento da Internet com sua cria mais importante, o correio eletrônico, o e-mail, assim mundialmente conhecido e utilizado à larga. Época difícil, a era pré Internet carinhosamente apelidada de jurássica em que o tempo que transcorria entre o nascer de um texto manuscrito ou datilografado e sua transformação em livro andava nas costas de cágados. Pretendentes à publicação de livros, moradores na ou próximo da cidade das editoras mantinham contato pessoal e viam agilizados seus lançamentos e tantos autores e obras nos chegaram às mãos. Em qualquer época existiram os que não conseguiram inserir-se no mercado livreiro, muitos tiveram sua obra publicada pós-morte.
Acreditamos que as dificuldades de publicação e divulgação dos textos dos novos autores, apesar da superação de óbices de caráter técnico, permanecem intocadas, mas propugnamos, como contrapartida, pela necessidade de perseverança na busca de melhores oportunidades para a superação deste quadro
"*.
* Texto extraído do site www.guemanisse.com.br, em 21/04/2007.

Caixa de madeira I

CRÔNICA 13/03/2007


Caixa de papelão, madeira apodrecida. Lá se foi o Nepomuceno sabe lá Deus para que morada. Mas ele volta. Ele deixou sua palavra como a garantia de todas as garantias de que voltava; ao menos, mesmo a viúva intercedendo, ele se despediu da gente. Onde diabos irá acomodar o menino já crescido da viúva? Não, não foi o Nepomuceno, apenas resolveu acertar umas coisas que devia, aparar umas arestas do troço de uma pensão antiga, e lá se foi pras bandas de Massapê com uma malinha que mal cabia todos juntos. Tinha nada para se queixar – Nepomuceno era luminoso, fazia das suas, mas ajeitava o tratado da vida com muito jogo de cintura, e tinha couro de artista: vendeu até pedaço de chão no quinto dos infernos. Aqui – também pudera – nós sofremos bem três dias com uma ventania de areia, seca que nem olho tinha valia, que colocou todo mundo no fundo de uma rede durante as setenta e duas horas, ou menos, ou mais, e foi daí em diante que a mulher virou viúva. Viúva para um bando de gente, mas cabrocha para o danado do Nepomuceno, que a levou de viagem num pau-de-arara. Pode ser que sim, quem vai saber ao certo? Eu meto as calças numa fogueira, se quer saber. Olha como o menino tem a fuça dele, o andar igual. É dele. É não. Quem vai saber decerto é dona Quitéria; aquilo lá já cedeu as ancas um tanto de vezes ao deleite de Nepomuceno. Fato consumado é falácia repetida: ora, por assim dizer, Nepomuceno varava noite em companhia da voz de outrem, parecendo coisa macumbeira. Vixe, Santíssima! Quem é o dono do verbo? Não me admira levar a viúva e o menino crescido pra bem longe daqui; ao menos, por enquanto, corre-se frouxo, não tem aperreio de povo conhecido. Vá lá conferir, já que não leva fé, se ele não coloca na sua frente aquele pai antigo que você tinha e que já foi pro beleléu. A voz pequena da cunhada do Artemiro foi que saiu de homem velho, mas era ela mesma. Até vai escrevendo, sem deixar escapar nada, tudinho dito do além. Peguei o menino e puxei pela orelha: que esculhambação é esta de fazer teu pai de besta, trazendo ele aqui? Que tolice é esta, rapaz? Tio? Que porra de tio é o teu que fica fazendo pouco da pelagem do povo ignorante? Isso é vacilo do grosso, seu cabra!, no que o menino revidou: Não vou tolerar esse tipo de agressão, ainda mais levando em conta que meu tio é ventríloquo. Não foi por não saber o que significava esta palavra, mas por ter escutado uns sons cobiçosos, vindos não sei donde, dizendo ao pai do menino crescido que derrubasse ali todas as moedas que tinha no bolso porque em curtíssimo prazo ele iria se amoldar num caixão de madeira, que fiquei tonto. Quem me acudiu foi o próprio menino que chamava o Nepomuceno de tio e que acabou perdendo o pai durante a ventania de areia, mas que também não sabia o que significava ventríloquo, muito embora Nepomuceno, feito pai de verdade, tenha lhe dito um dia que era um ventríloquo e que intermediava palavreado de morto. Mas não é que o tal morreu mesmo! Morreu de morte matada ou morrida? Sei não, mas tem gente que não se ajeita... Uma invenção assim não se faz contra um ventríloquo – corre-se um risco medonho. E o Nepomuceno volta? Ele me jurou que voltava.
Mendes Júnior
* Publicado na Cronópios, em 03/09/2007;
** Photo by Mendes Júnior.

Indicações Musicoliterárias

Paul Auster


Acaba de chegar às lojas de discos (aliás, Fortaleza só tem praticamente uma: Desafinado) um maravilhoso encontro entre João Donato (piano) e Bud Shank (sax alto), entitulado "Uma tarde com Bud Shank e João Donato", lançado pela Biscoito Fino. Recomendado para um final de tarde. Quem se interessar pelo álbum, atenção nas faixas "Gaiolas abertas", "Black orchid", esta com participação especial de Ed Motta, "Minha saudade" e "But not for me".


Ainda sinto nas mãos o cheiro do novo livro de Paul Auster, "Viagens no Scriptorium". Pequeno, porém impressionante. Nele, o referido autor nos leva a refletir sobre os limites da criação literária, por meio de uma personagem, de nome Blank, trancado num quarto e vigiado por câmeras e microfones. Observo, ainda, a beleza da capa deste livro, de João Baptista da Costa Aguiar, que também fez a capa de "Noite do oráculo", a qual o autor considerou como a mais bonita entre todas as versões estrangeiras, durante a FLIP (Feira Literária Internacional de Parati).
Esteja dito.
Mendes Júnior.

Bossa Nova at Carnegie Hall


ARTIGO*, 27/11/2006

Quase ninguém falou, mas há quarenta e quatro anos, numa quarta-feira, a Bossa Nova era apresentada ao mundo. Era 21 de novembro de 1962, 20:30hs, Carnegie Hall, Nova York, quando uns meninos subiam ao palco para mostrar um tal balançado da New Brazilian Jazz, como os americanos gostavam de dizer. Quem eram estes meninos? Ninguém menos do que Oscar Castro Neves, Sérgio Mendes, Roberto Menescal, Carlinhos Lyra, Chico Feitosa, Milton Banana, Sérgio Ricardo, Normando Santos, Dom Um Romão, Luiz Bonfá, Agostinho dos Santos, João Gilberto e Antonio Carlos Jobim, que à época já era famoso nos Estados Unidos como o compositor de “Desafinado”; enfim, o fino da bossa tinha a missão de provar que o Brasil era capaz de produzir música sem pandeiro.

É claro, reunir tantas estrelas principiantes geraria muita polêmica. O concerto só foi possível diante de uma parceria entre a gravadora americana Audio-Fidelity e o Itamaraty. Mas foi justamente na escolha do elenco que começou a confusão. Muita gente boa ficou de fora, como João Donato (e sua “Rã”) e Johnny Alf; alguns que se achavam bambas no violão não foram porque eram péssimos; e até apareceu gente ressentida que bateu o pé, alegando que Bossa Nova não se misturava com passistas e ritmistas. Por sua vez, a imprensa brasileira fez pouco caso e foi muito cruel nas suas piadas. O fato é que era esperado um verdadeiro desastre na apresentação dos brasileiros, coisa que preocupava principalmente Tom Jobim, João Gilberto e Luiz Bonfá, nomes que já corriam por bocas estrangeiras. Tanto é verdade que Tom Jobim só embarcou depois de ser enfiado à força dentro de um avião pelo amigo cronista Fernando Sabino: “Você vai vencer, Tom”.

Muitos deslizes aconteceram de verdade, como Normando Santos cantando com o microfone desligado, Roberto Menescal escorregando na letra de “O barquinho” e o próprio Tom pedindo um minutinho para recomeçar “Corcovado”. Por uma razão apenas as suspeitas de Tom não se transformaram em sua tragédia pessoal: quando “Corcovado” entrou nos eixos, e ele cantou a letra toda, em português e inglês, a platéia só faltou se jogar aos seus pés. E é válido ressaltar que na distinta platéia estavam Tony Bennett, Dizzy Gillespie, Miles Davis, Gerry Mulligan, Herbie Mann, entre outros que também queriam escutar de perto o violão de João Gilberto. Por isso, este foi o escolhido para encerrar o concerto, deixando Sérgio Mendes responsável pela abertura. Com certeza, ficaram bastante impressionados com “Samba da minha terra”, “Desafinado” e “Outra vez”.

Alguns só voltaram para casa muito tempo depois, como foi o caso de João Gilberto, Tom Jobim, Sérgio Ricardo e Oscar Castro Neves, só para citar alguns. A partir desta noite, a vida da Bossa Nova mudou completamente. A música “Desafinado”, por exemplo, foi gravada onze vezes nos Estados Unidos no mesmo ano, sendo uma delas de um milhão de discos. Durante anos, o áudio do espetáculo (fita-pirata) permaneceu como moeda rara nas mãos de colecionadores. Hoje em dia já é possível ser encontrado em versões modernas de gravação, com o charme dos aplausos e todo o resto de um show ao vivo, mas a dificuldade de encontrar é a mesma. Qualquer esforço neste sentido vale, pois estará lá parte da história da música brasileira, além de “Manhã de Carnaval”, “Zelão”, “Passarinho”, “Influência do Jazz”, entre outras pérolas. Como dizia Vinicius de Moraes, “a Bossa Nova voltou mais uma vez para ficar por toda a vida”. Que assim seja, poeta.
Mendes Júnior.

* Artigo publicado no site do Jornal O Noroeste, em 08/02/2007, e também no site do Jornal O POVO, em 11/03/2007.

Caderno de Viagem - Samba do Avião


CRÔNICA*, 20/11/2006
À Tia Anita

À primeira vista, o Rio de Janeiro, lá do alto, parece um matagal sem fim; uma floresta – por assim dizer – da mais alta estirpe, com todos os atributos que lhe são peculiares. Somente quando nos aproximamos um pouco mais é que percebemos que há vida humana nesta floresta; mais: há uma cidade inteira dentro dela. As janelas do avião são poucas para tanta curiosidade, afinal, quem não anseia atestar que o Rio de Janeiro é, de fato, uma cidade maravilhosa. Como bom jogador de futebol que não fui, também tenho minha mandinga antes de entrar em campo, ou melhor, antes de pousar no Galeão, que hoje ostenta o nome do maestro da música popular brasileira, de quem tomo emprestado aos ouvidos a música “Samba do avião”. Isto mesmo, para me dar sorte, pouso ao compasso da letra, que é de completo sentido: “Minha alma canta/ Vejo o Rio de Janeiro/ Estou morrendo de saudades (...)”.

Nunca entendi direito esta coisa de linha vermelha ou de qualquer outra cor que as vias do Rio tenham, posto não ter me aprofundado na questão com quem quer que seja, mas saindo do aeroporto é natural passar por elas. “Rua Toneleros, nº 170” – digo ao taxisista onde devo ser deixado com minhas malas e cuias. Só após ter tocado o solo de Copacabana com minhas franciscanas é que me dou conta da vitalidade e importância do endereço ao lado: Edifício Albervania, nº 180. Nos primeiros minutos de 5 de agosto de 1954, foi neste endereço que o jornalista Carlos Lacerda sofreu um atentado, que acabou resultando na morte do major-aviador Rubens Florentino Vaz, que lhe dava proteção, e, posteriormente, ajudando a “apertar o gatilho” que levaria Getúlio Vargas a entrar na história. Caso este que ficou conhecido por “Atentado da Rua Toneleros”. Juro que escutei pelas janelas a voz felina do jornalista.

Dali para a Avenida Atlântica é o que chamamos de um pulo, mas no Rio não se deve nunca pular nada, principalmente suas ruas. A arborização é perfeita para uma boa caminhada a qualquer hora do dia, inda mais quando estamos no final da primavera. O Rio de Janeiro é generoso neste aspecto. O escurinho das ruas, provocado pelas árvores perfiladas em suas calçadas, é o que traz alento aos nossos corações tão sofridos de tristes paragens. Os pés são nossos guias e jamais, por hipótese alguma, devemos olhar para o relógio; isto é proibido. De repente, estamos diante do mar; eis o calçadão de Copacabana. Uma água de coco e volto a batucar o tal samba: “Rio, seu mar/ Praia sem fim/ Rio, você foi feito prá mim (...)”.

Há quem diga que ser carioca é um estado de espírito. Sendo assim, sejamos nordestinos, nortistas ou paulistas, no Rio, somos todos cariocas. É engraçado como faz sentido esta máxima; em pouco tempo nos acostumamos com a vida carioca como se vivêssemos há anos no Rio de Janeiro. Nossos olhos já não conseguem enxergar senão o retrato de uma cidade: seus táxis amarelos, ao passo de idosos carregando seus cachorros, ao som mágico de pássaros urbanos, ao fundo do mar, ao lado de uma banca de jornal, ao moço que sorri só de short, ao lado do homem sério que se apraz com uma boa média. Eu, por exemplo, carrego no ouvido o tal samba: “Cristo Redentor/ Braços abertos sobre a Guanabara(...) Rio de sol, de céu, de mar (...)”, mas há quem carregue “Garota de Ipanema” ou, quem sabe, “O barquinho” – não importa – o importante é viver e sentir a cidade. Se tiver ginga, melhor ainda.

O Rio de Janeiro é amor e história. Às vezes de livro; às vezes de vida. Sua beleza pontua os ares de uma paixão e perdura para sempre em nossa memória. E eu já estava novamente de frente ao Edifício Albervania e, antes que escutasse qualquer discurso inflamado de Carlos Lacerda, cantei bem alto: “Este samba é só porque/ Rio, eu gosto de você (...)”.
Mendes Júnior.
* Crônica publicada no site do Jornal O Noroeste, em 26/12/2006.

20 abril, 2007

Chico Buarque, em Fortaleza



Bye, Bye, Brasil
(Roberto Menescal/Chico Buarque - 1979)


Oi, coração
Não dá pra falar muito não
Espera passar o avião
Assim que o inverno passar
Eu acho que vou te buscar
Aqui tá fazendo calor
Deu pane no ventilador
Já tem fliperama em Macau
Tomei a costeira em Belém do Pará
Puseram uma usina no mar
Talvez fique ruim pra pescar
Meu amor

No Tocantins
O chefe dos parintintins
Vidrou na minha calça Lee
Eu vi uns patins pra você
Eu vi um Brasil na tevê
Capaz de cair um toró
Estou me sentindo tão só
Oh, tenha dó de mim
Pintou uma chance legal
Um lance lá na capital
Nem tem que ter ginasial
Meu amor

No Tabariz
O som é que nem os Bee Gees
Dancei com uma dona infeliz
Que tem um tufão nos quadris
Tem um japonês trás de mim
Eu vou dar um pulo em Manaus
Aqui tá quarenta e dois graus
O sol nunca mais vai se pôr
Eu tenho saudades da nossa canção
Saudades de roça e sertão
Bom mesmo é ter um caminhão
Meu amor

Baby, bye bye
Abraços na mãe e no pai
Eu acho que vou desligar
As fichas já vão terminar
Eu vou me mandar de trenó
Pra Rua do Sol, Maceió
Peguei uma doença em Ilhéus
Mas já tô quase bom
Em março vou pro Ceará
Com a benção do meu orixá
Eu acho bauxita por lá
Meu amor

Bye bye, Brasil
A última ficha caiu
Eu penso em vocês night and day
Explica que tá tudo okay
Eu só ando dentro da lei
Eu quero voltar, podes crer
Eu vi um Brasil na tevê
Peguei uma doença em Belém
Agora já tá tudo bem
Mas a ligação tá no fim
Tem um japonês trás de mim
Aquela aquarela mudou
Na estrada peguei uma cor
Capaz de cair um toró
Estou me sentindo um jiló
Eu tenho tesão é no mar
Assim que o inverno passar
Bateu uma saudade de ti
Tô a fim de encarar um siri
Com a benção de Nosso Senhor
O sol nunca mais vai se pôr