17 janeiro, 2011

Ausente


Deveria escrever mais, muito mais, mas tenho andado ausente, descobri agora. Ou se trata apenas de um estado acolhedor de ausência, que me justifique desaparecer por tanto tempo e para tão distante. Após relutar uma batalha e meia, abri um envelope branco endereçado a mim, o qual acabara de deslizar feito lâmina pela soleira. Uma carta de mim para mim. Sentei, após alguns passos desequilibrados, quase em cima da Amora, minha companheira felina, na velha poltrona de guerra. Estranhei demasiadamente, pois sequer lembro da última missiva que rabisquei. Para uma namorada? Foi isto! Acendi um cigarro, depois outro e outro. Veio abraçada numa foto: a tal que reproduzo acima. Lugar do carimbo postal: Viena. O que diabos fui fazer em Viena? Nem passaporte tenho. Bem, acho que não tenho, já nem sei. Inglês não falo. Alemão? Piorou! Arranho o espanhol. Mas a letra era minha, isto sabia. Uma loucura assim só acontece comigo mesmo! Ainda tive o atrevimento de dizer que estou em uma das mesas do café, com a mão cobrindo o rosto, bem ao lado da vidraça, debaixo do reflexo do relógio, na terceira janela... Já sei! Já sei! Já sei! Para! Para, infeliz! Jamais estive em Viena nem em qualquer outro país da Europa! A viagem mais longa que fiz foi para Juazeiro do Norte, a fim de pagar uma promessa deixada de herança por meu pai. Alguém me disse certa vez que beber tanto chá preto não era recomendável à cabeça. Vai ver chegou a conta, mas não gostaria de pagar agora. Não, chegou foi uma carta que escrevi para mim. Inimaginável!

"Mário, Surpresa, hein! Bebo um vinho nesta noite chuvosa em sua homenagem. A música é de rachar o ouvido. Estou escrevendo aquela história que arquitetamos, mas que você abandonou alegando melancolia. Mando notícias. Abraços afetuosos, Mário. P.S. Envio-lhe uma fotografia para que tente sentir o perfume da noite."
* Escrito em janeiro de 2011;
** Cafe Museum Viena, by Mendes Júnior.