ARTIGO, 29/08/2007.
Analisando o trabalho Há uma ordem imutável na natureza e o conhecimento a reflete: Auguste Comte (1798-1857), de Maria Amália Anderly, encontramos uma interessante abordagem sobre a teoria criada pelo francês Auguste Comte, no caso, o Positivismo, especificamente tendo por base sua obra maior: “Discurso sobre o Espírito Positivo”, donde podemos, a priori, nos questionar sobre as leis do universo e da sociedade como sendo imutáveis. Obviamente, tal assertiva foi (bem) aceita no século XIX, o que não podemos afirmar para a contemporaneidade. Como exemplo, registra-se que a idéia de ordem e progresso teve grande valor por ocasião da construção de nossa República, inclusive servindo como lema na bandeira pátria.
Antes de adentrarmos no mérito da questão, ressaltamos que a base do pensamento positivista foi sustentada em meio aos conflitos políticos vividos pela França durante o século XIX. A idéia de Comte era de que permanecesse o poder na mão da burguesia, pois, com isso, defendia a “simples” manutenção deste poder, já que desta maneira aquele vigente seria fortalecido e evitaria ameaças revolucionárias e, conseqüentemente, ter-se-ia um Estado sedimentado. Além do ideário político, Comte cria “visões” científicas – a sociologia – e funda uma religião social, “como base de uma pretensa reforma social” [1], o que claramente é apontado por alguns como contradição no posicionamento, embora fosse relativamente entendido que a reforma social era conseqüência da ciência que estava criando.
De acordo com leitura do “Discurso sobre o Espírito Positivo”, o termo positivo dá a noção de conflito entre o útil e o ocioso, a certeza e a indecisão, o preciso e o vago – que não se confunde com certeza nem indecisão – e o emprego da palavra “positivo” contrário ao de “negativa”, enfim, consiste na substituição do absoluto pelo relativo. A bem da verdade, considerava que o Positivismo era justamente o desenvolvimento do pensamento humano, no que chamou de lei dos três estados: estado teológico, como início da inteligência do homem; o estado metafísico, uma mudança em relação ao primeiro estado; e, por fim, o positivo, no qual se percebe a impossibilidade do absoluto, buscado o ser humano priorizar o “raciocínio” e a “observação”. Tais estados são decorrentes de uma evolução histórica, que se pode pensar como evolução – um desenvolvimento de espírito e conhecimento. Assim considerado, a evolução é contínua e linear, ou seja, segue sem rupturas, como também Comte pensou para o caso da história, que seria “um conjunto de fases imóveis em si mesmas, que num contínuo se substituem umas às outras, de forma que cada estágio é superior ao anterior”[1]. Seguindo o raciocínio, chega-se ao estado superior em que há o crescimento do espírito, que, por sua vez, torna-se positivo. Comte entende que essa ordem constitui a condição fundamental do progresso.
Aqui, então, surge a concepção de ordem que Comte determinou como uma transformação ordenada em que não é possível mudanças violentas e, portanto, permanece “num contínuo”, bem como a idéia de progresso, que leva a um melhoramento linear. Assim, tem-se um avanço (progresso) em linha reta e uma ordem preestabelecida permitindo o desenvolvimento do espírito e o pensamento, de acordo com leis já estabelecidas. Comte nos diz que ordem e progresso são inseparáveis.
Outra concepção da teoria positivista é de que é considerado conhecimento real apenas aquilo que pode ser observado, senão vejamos:
“(...) Seja qual for, porém, o modo, racional ou experimental, de proceder à sua descoberta, é sempre de sua conformidade, direta ou indireta, com os fenômenos observados que resulta exclusivamente sua eficácia científica” [2]
Para Comte, os fatos são acumulados pela observação, que é submetida à imaginação, que permite fazer a relação entre eles, estabelecendo leis gerais e invariáveis. Entende-se que o pensamento científico é baseado na observação desses fatos e nessas relações, que são determinadas pelo raciocínio. Para o conhecimento científico positivo não é possível hipóteses, mas a certeza e a precisão; não admite dúvidas, indeterminações ou especulações. No entanto, Comte também aceita que o conhecimento possa ser relativo, já que o homem somente o alcança diante de sua condição, ou seja, a transformação e a incorporação fazem com que o homem utilize o conhecimento de forma mais ampla e com mais fatos, mas nem tudo pode ser observado por ele. Uma coisa, no entanto, Comte deixa muito claro: não é admitida qualquer indeterminação e/ou acaso nos fenômenos da natureza.
Comte também estabelece uma distinção de ciências em abstratas e concretas: as ciências abstratas têm por objeto a descoberta de leis que regem diversas classes de fenômenos, enquanto que as concretas “consistem na aplicação dessas leis à história efetiva dos diferentes seres existentes” [2]; as outras ciências são consideradas secundárias. Comte divide as ciências abstratas e concretas em astronomia, física, química, filosofia e física social, as quais devem utilizar método único, o que não significa que elas devam se submeter aos mesmos procedimentos de investigação, mas se refere à aplicação da filosofia positiva a todos os ramos do conhecimento. De acordo com Maria Amália Anderly, “a garantia de uma unidade do método a todas as ciências está associada ao que Comte talvez considere seu grande empreendimento: a criação de uma física social, ou uma sociologia”.
Com a teoria positivista, entende-se que qualquer subordinação ao poder, certamente, corrompe a ordem preestabelecida, sem contar que induz a falsa noção de haver diferentes grupos sociais com interesses opostos e insolúveis. Portanto, é necessária uma ordem para que as instituições permaneçam fortes, daí programa social de Comte, que se baseava em dois pilares: educação universal e trabalho para todos. As idéias de Comte eram coerentes no sentido de evolução, desenvolvimento e transformação de espírito, a fim de refletir de forma positiva nas idéias e na moral.
Então, voltamos à religião criada por Comte: a religião da humanidade, a qual dizia que deveria ser trabalhada a vida moral e não a material – permitir reformas necessárias ao progresso do espírito positivo. Comte, através do Positivismo, consegue a coerência ao combinar ciência e religião.
[1]. Há uma ordem imutável na natureza e o conhecimento a reflete: Auguste Comte (1798-1857), de Maria Amália Anderly;
[2]. COMTE, Auguste. Discurso sobre o Espírito Positivo. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
[1]. Há uma ordem imutável na natureza e o conhecimento a reflete: Auguste Comte (1798-1857), de Maria Amália Anderly;
[2]. COMTE, Auguste. Discurso sobre o Espírito Positivo. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
Mendes Júnior.