15 abril, 2011

Com a palavra, professor Benjamim Schianberg





Não se sabe ao certo em qual local e data nasceu Benjamim Schianberg, professor e autor do livro O que vemos no mundo, para o qual também não temos o ano da publicação nem a editora. Mas é certo que sua obra pode ser considerada como um manual filosófico do amor, um dicionário de expressões de cunho entusiasta para enamorados, uma fonte de pesquisa objetivando esquadrinhar frestas do sexo, sobretudo uma carta de auto-ajuda destinada aos que se aventuram a tentar ponderar o imponderável, sondar o insondável e compreender o incompreensível. O eminente professor cunhou frases de ciência pertinente: “A grande desgraça é que as lembranças não bastam para confortar os amantes (...)”; descreveu tipos da natureza humana masculina: homens de sangue quente; divide com seus leitores técnicas apuradas de comportamento: vestir e despir o mundo; rotulou-se como um estudioso ocupado com as “fezes da alma”; tipificou a STTL – Síndrome da Transferência Total de Libido; proclamou que poucos homens, para a insatisfação destes, são fiéis de verdade; e, por fim, desbancou a segurança dos amantes apaixonados que, quase sempre negligentes, acreditam-se discretos: não são invisíveis, estando apenas ofuscados pela luz que eles próprios emitem. Vetusto o amor, faz-se necessária a leitura do professor Schianberg, a fim de enxergar este sentimento em meio à claridade e à lassidão.

Seria válido tudo o que foi escrito se existisse de fato um professor Benjamim Schianberg e se o mesmo tivesse escrito O que vemos no mundo. A bem da verdade, uma criação para servir de pano de fundo na história de um outro personagem, chamado Cauby – sim, igual ao cantor –, no livro Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, do paulistano Marçal Aquino. O curioso e hilário é que, mesmo Marçal tendo criado cuidadosamente um nome que sequer constava em sites de pesquisas e um livro nunca escrito, uma editora carioca pediu sua ajuda para localizar o tal escritor e publicar seu livro no Brasil. Infelizmente, não conseguiu.

Eu receberia as piores notícias..., sem dúvida alguma, trata-se de um título intrigante e charmosamente grande. Olhando rapidamente para qualquer estante de livros, dificilmente encontraríamos algo parecido. O próprio Marçal, durante uma entrevista para um programa televisivo, disse que não acreditava que alguma editora fosse capaz de se interessar em publicá-lo, mas, para sua surpresa, Luiz Schwarcz – Companhia Das Letras – aceitou o desafio.

A trama se passa basicamente numa pequena cidade do Pará, na época áurea para os garimpos e, portanto, desprotegida e nebulosa, envolvendo disputas de terra, emboscadas e mortes. O fotógrafo Cauby se apaixona perdidamente por uma mulher casada: Lavínia, uma ex-prostituta. A aproximação dos dois se dá pelo prazer da fotografia, embora ela encare o hobby como refúgio para um passado sofrido. Porém são as variações de comportamento de Lavínia que parecem sedimentar o interesse do amante, o qual encara como um grande desafio, a princípio, mas que aos poucos, contudo, se entrega feito paixão de adolescente. Por se tratar de uma diferença gritante, Cauby cria em sua cabeça duas Lavínias: Lavínia – a melancólica e comportada – e Shirley – “a que mijava de porta aberta”. As rosas, então, perdem a inocência quando o ciúme de Cauby começa a frequentar constantemente seu coração. Aliado aos desvios e sumiços da amante, Cauby intui ser correto desvendar a outra vida da amante, a que inclui seu marido, o pastor Ernani.

Ao largo do amor clandestino, na terra hostil, há outras versões deste sentimento e com elas seus desvios. Altino, tratado pela alcunha de “careca”, mantém um amor platônico por uma colega de profissão, Marinês, que o condenou a viver o resto dos dias naquele cafundó; Chang, “o china da loja”, vem representando o amor doente, o desvio, a tara, em seu aspecto mais tenebroso: a pedofilia, que o leva a um destino severo; Dona Jane, a dona da pensão, faz parte da gente do interior que cede o coração aos galanteios de forasteiro qualquer e no fim é abandonada sem comiseração; e a do próprio pastor Ernani que procurou converter a impura Lavínia com ditados bíblicos e se quedou em “arranques silábicos” esquecendo a existência do demônio.

Marçal disse em certa ocasião que seus livros não deveriam ser cunhados de policiais, haja vista que são romances ambientados naquilo que vê nas ruas, nas pessoas e nos movimentos do centro da cidade, nos diálogos e atos de gente comum, não sendo intencional que a história descambe para elementos funestos ou queira se encaixar numa determinada classificação literária. A tragédia em Eu receberia as piores notícias... torna seu desfecho exalando um cheiro podre – um bafejo de vômito – e de céu inube, como se tivesse o amor sido enganado pela brutalidade e loucura. Obliterado o destino comum, encontramos o silêncio como a mais ensurdecedora forma de nos alertar das últimas consequências do homem. Mas o trágico já se encontrava como a pedra fundamental do destino de Cauby desde o princípio – o amor é terreno sem limite: “(...) E, embora a mulher não apareça, sei que é por causa dela que estão me matando. E tenho tempo de saber que não me deixa feliz o desfecho da nossa história. Terá valido a pena”.


Mendes Júnior

* 105, photo by Eduardo Segura;

** Marçal Aquino, photo by Bel Pedrosa;

*** Foto de capa extraída do blog Inutilidade Útil.

2 comentários:

Cores e Versos disse...

estou lendo o livro e gostei muito das tuas observações! ;)

Adriana Balreira disse...

Parece mesmo muito bom esse livro! Mais um para minha interminável lista... E adorei o seu blog! Deve voltar a escrever!
Beijos
Adriana