30 maio, 2011

Cinema



Lendo o último livro do espanhol Enrique Vila-Matas publicado no Brasil, pela Cosac Naify, chamado Dublinesca, deparei-me já nas primeiras páginas com a citação do filme Spider (2002), do excelente diretor canadense David Cronenberg, que também tem em seu currículo Crash (1996), eXistenZ (1999), A History of Violence (Marcas da Violência) (2005), entre outros. Aliás, Vila-Matas faz mais do que uma simples citação: durante a passagem, o protagonista Samuel Riba é convidado por sua esposa, Celia, a assistir ao filme, e, durante sua exibição, há uma aparente tentativa de fazê-lo perceber ter características do personagem Spider, que vive solitário e incomunicável num mundo inóspito. Bem, é isto que nos mostra: "Volta a achar que sua mulher está tentando ver como ele reage diante da figura de Spider, para poder assim medir seu próprio grau de demência e burrice".

Prontamente - por ainda não ter visto o filme - resolvi não prosseguir na leitura até que resolvesse esta a qual considerei uma falha, pois sempre fui presenteado com fortes emoções durante e após os filmes de Cronenberg. A falha, a bem da verdade, era enorme: Spider é espetacular, e não menos a atuação de Ralph Fiennes, no papel de Spider, e a fotografia de Peter Suschutzky.

Logo na sequência inicial, acompanhada de uma música sublime e triste, vemos Spider descer de um trem com uma expressão de desconforto, balbuciando sons incoerentes, retirando de dentro da calça uma meia surrada com algo em seu interior. Após conferir um endereço, segue por ruas londrinas vazias, com a pequena mala em uma das mõas, recolhendo, durante o trajeto, objetos inúteis que encontra jogados, até chegar a East End, bairro em que passou sua infância. O endereço é de uma pensão que acolhe doentes mentais e só mais adiante sabemos que ele vinha de um hospital psiquiátrico.

De longe é fácil perceber que Spider tem problemas mentais, mas aos poucos vamos nos dando conta dos motivos que o levaram a ser quem é, ou acreditamos nisto. A partir de sua chegada à pensão, vai recontruindo inevitavelmente sua infância, de acordo com o que consegue lembrar - os fios da teia. Faz uso constante de um caderninho no qual escreve, com letras miúdas, frases em alfabeto imaginário, ou como diz Samuel Riba: "São sinais primitivos, paus ou pauzinhos dobrados, tão incompletos que não chegam nem a ser paus ou pauzinhos e, claro, não conseguem chegar a fazer parte do alfabeto de nenhum hieróglifo", e completa com uma sensação: "Produzem um verdadeiro pânico". Mas nada preocupa mais Spider do que alguém encontrar sua caderneta, a qual esconde sob o tapete do quarto, pois temos a impressão de que é nela em que vai tecendo as ilusões dispersas em sua memória.

O grande problema se baseia na morte da mãe. Responsabiliza o pai, que teria agido de forma brutal e, por fim, passado a viver com uma prostituta. Quando o assinato ocorre, ele ainda é uma criança, mas a narrativa do filme é feita com Spider adulto, o mesmo que desce na estação vestindo quatro camisas, embora esteja em pleno verão, revisitando, como simples testemunha atordoada, os acontecimentos cruciais do início da vida, até a prostituta assumir o lugar de sua mãe em casa. Difícil de ser observado que a mãe de Spider (Sra. Cleg), a protituta (Yvonne) e a dona da pensão (Sra. Wilkinson) foram vividas pela mesma atriz: Miranda Richardson. Importante detalhe, pois não apenas Spider se mostra perturbado na pensão com a presença da Sra. Wilkinson, mas nós também, pela confusão que Spider faz com as imagens.

O embate com as lembranças do pai assassino, vivido pelo irlandês Gabriel Byrne, aquele mesmo de Stigmata e Os Suspeitos, segue até o final, quando somos surpreendidos. A teia que Spider constrói não passa de um "emaranhado de cordas".

Por fim, ainda em Dublinesca, lemos que muito vagamente Spider lembra o personagem de Um homem que dorme, do francês Georges Perec (1936-1982), o qual ainda não li. Possivelmente, outra grande falha.


* Imagens extraídas do site www.imdb.com

2 comentários:

charlles campos disse...

Cara, estou lendo o Dublinesca e me deu muita vontade de assistir a esse filme, assim como ler Nova York, do desconhecido escritor alcóolatra Brendam Behan (que, segundo o Google, realmente existiu, diferente de Vok).

Abraços.

Mendes Júnior disse...

Aliás, caro Charlles, é uma característica indelével dos livros do Vila-Matas as citações, sejam elas de livros, filmes ou até de pinturas. Costumo brincar dizendo que se você lesse, a partir de "Paris não tem fim", todos os autores e livros citados, teríamos lido uma biblioteca inteira. Outro detalhe marcante de Vila-Matas é que alguns escritores mencionados em seus livros não passam de criações ficcionais e, portanto, temos sempre a curiosidade de descobrir aquilo que é verdadeiro e aquilo que é falso. Obrigado pela leitura. Abraços sempre sinceros...