13 dezembro, 2007

... e saiu barata


13/12/2007.


É claro que também não acreditaria, mas é pura verdade. A verdade pode ser pura ou impura? Sendo impura, não seria uma baita de uma mentira? No entanto, o popular faz a gente escorregar, e rimar, por assim dizer. Pois bem, o menino – não mais que dez anos – foi sugado pelo caminhão de lixo e saiu barata, diante de todos. Sim, barata! Acho que me apressei na narrativa – pardon! Portanto, ainda agora aconteceu esse fato, que me deixou perplexo, mas ao mesmo tempo encantado. Fumava um cigarro pé-duro à janela, durante a pausa de uma história teimosa que há dias tento colocar no papel, ao som de Billie Holiday, Autumn in New York, quando vi certo alvoroço na calçada, perto de um caminhão verde. Pelo cheiro maldito, identifiquei como sendo o responsável por recolher o lixo-nosso-de-cada-dia e levar para o mais distante possível. Sempre pensei ser a profissão de lixeiro a pior de todas, com o devido respeito ao lixeiro que me lê neste instante, mas isto por não ter me dado conta de que há algo bem próximo ganhando a vida literalmente dentro do lixo: as mulas humanas. Antes que alguém se queixe por não saber o significado de mula humana, afirmo, sem medo de errar, que todos somos sabedores, embora não estejamos atentos, tal qual o significado de um sonho, que não sabemos que sabemos qual seja por causa de uma barreira de recalcamento que separa o inconsciente do consciente. Para o caso da mula humana, provavelmente, deve haver algo parecido impedindo nossa atenção. Confusa a psicologia? Sobremaneira, diria um amigo comum, mas, voltando à narrativa, refiro-me àqueles humanos (?) que circulam pelas ruas carregando, com a força dos membros superiores, debaixo de sol e chuva, dia e noite, domingo e feriado, baús com rodas, (geralmente caixas metálicas de geladeiras antigas sobre pneus de carro de passeio), os quais são entupidos de todo tipo de porcaria encontrada durante o longo percurso: papel, plástico, ferro, vidro, madeira, enfim – que futuramente será vendida sabe lá Deus a quem. Às vezes o baú transforma-se em meio de transporte da garotada e acabamos por ver pequenas cabeças balançando e bocas abertas se alimentando de ar. Confusa a poesia? Por certo, insistiria o amigo – i’m sorry, my friend, but... O certo é que, tão logo o caminhão estacionou diante de minha casa, muitas mulas humanas surgiram de não sei que lugar para retirar de sua caçamba tudo aquilo que poderia ser vendido (engraçado: aquilo que para nós não tem mais valor). E era um empurra-empurra danado para pegar (n)o entulho – pareciam ratos gigantes – até que, como disse, uma mula de uns dez anos de idade foi praticamente chupada pelo triturador de sujeira, que ficava na parte traseira do veículo. Não houve sangue nem barulho de osso se quebrando, mas o menino desapareceu em meio ao lixo. Há dois verbos que podem ser usados nesta última frase: misturar e somar. Algo me diz que aplicados ao contexto dá na mesma, já que não voltou mula, mas barata – uma barata d’água – por pouco tempo, pois alguém pisou nela com gosto.
Mendes Júnior
* Photo by Mariano Zuzunaga, "Squeezed Can".

Um comentário:

Isabela Pinho disse...

eu estou acreditando nisso, viu?!!!