01 dezembro, 2007

Lacanastrão


01/12/2007.


Foi a primeira toada que Totonho Candeia pronunciou quando Marlúcia entrou no boteco: “Ai, querida, desse jeito assim não dá mais para viver!”, fazendo correr pelas mesas risinhos de deboche da rapaziada. Totonho Candeia já estava mergulhado no álcool desde a manhã. Não almoçara em casa, conforme o combinado com a madame para o feriadão, e já passava da hora da janta e o diabo do homem ainda bebendo como se o mundo não tardasse a acabar. É claro que no estado etílico em que se encontrava muita coisa havia perdido o sentido, menos a marcação cerrada de Marlúcia: “Vim te buscar, Totonho!”, falou com zanga no sangue. Não que fosse ciumenta, ao contrário, o danado é que passava dos limites vez por outra. Mas aquela encenação de Marlúcia causaria constrangimento até num pastor e, portanto, ficou ferido – uma batuta no brio: “Ai, querida, desse jeito assim não dá mais, para!”, jogou o cigarro fora, pisou o resto da brasa e seguiu sem olhar para os lados. Marlúcia jogou umas cédulas na mesa e caminhou próxima ao trôpego-mulambento-embriagado-corpo. No entanto, Marlúcia começava a se arrepender da atitude: amava e era capaz de tudo para que não houvesse discórdia entre os dois, mas ele já estava na rua fazia tempo e aquilo foi se tornando numa preocupação gigantesca. Não tinham filhos, somente um ao outro. Totonho Candeia bateu com força a porta, por pouco não arranca as duas tábuas velhas. Foi direto, sem escalas ou conexões, para o fundo da rede vermelha e ligou o rádio bem baixinho. Com a expressão amarrada, gritou, já com a cabeça forrada no lençol: “Ai, querida, desse jeito assim não dá mais!”, levando-na a urinar a calcinha de algodão diante do medo. Uma paixão sem-vergonha alimentava a união, (mais ainda por causa dela). “Desculpa, Totonho...”, disse, com lágrimas espalhadas pelo fino rosto, mas ele subitamente virou para o lado oposto e bufou. As mãos dela tremiam, ainda assim teve coragem de tocar na varanda da rede: “Totonho?”, murmurou em súplicas. O receio de Marlúcia banhava-se na hipótese de Totonho Candeia ir embora, (abandono de lar), e pelo modo como falava – “Ai, querida, desse jeito assim não dá!” –, parecia fato consumado, entretanto Marlúcia tinha um gingado manhoso. Conduziu levemente o próprio corpo à rede. “Ai, querida, desse jeito assim não!” – deu um chega pra lá na coitada, que não se fez de rogada e permaneceu misturada naquele conjunto (melhor: naquele latíbulo): lençol, rede, ele, ar de cachaça, fumo e um fio sonoro que vinha do rádio. Marlúcia deu um cheiro em seu cangote e pôs a coxa no meio de suas pernas. Começou a ceder à tentação: “Ai, querida, desse jeito, assim...”, e mordiscou o lábio inferior. Marlúcia foi abrindo de forma cadente a bermuda dele. Claramente não houve oposição, ao contrário, até se esforçou em ajudar. O membro de Totonho Candeia saltou rígido, e então sentiu a mão sem a atadura negra mergulhando como um molusco cego entre as algas da sua ansiedade. “Ai, querida, desse jeito”, disse, em sinal de aprovação. Marlúcia, além da perfeita manipulação da glande, deslizava a língua pelo peito cabeludo de Totonho. Não existia mais o medo de outrora. “Ai, querida, desce”. Obedeceu levando a boca gulosa até o cajado de Totonho Candeia, que se contorcia todo agarrado ao punho da rede, tamanho o prazer proporcionado pela cavidade bucal da parceira. “Ai, querida...”, sussurrou em sintonia com o êxtase. Naquele instante não importava o almoço perdido, o jantar frio, o feriado, o dia, a voz do rádio, enfim, nada, mas tão somente o latejante gozo: “Ai!”
Mendes Júnior
* Publicado na Revista Vagalume, em agosto de 2008;
** Photo by Nobuyoshi Araki, "Untitled".

Um comentário:

Unknown disse...

Ficou simplesmente maravilhoso...Amei!
Bjs