03/10/2007.
Tiago Pantera faleceu de morte matada. Com apenas vinte anos (ainda incompletos), a prematura tragédia foi motivo de muita dor para a família, principalmente para a mãe, assim como seria para todas as mães. Pois bem, Pantera até os dezessete anos era um bom garoto, nada com estudos, é bem verdade, mas não fugia ao trabalho: fazia bicos numa oficina mecânica e ajudava em casa com a venda de picolé caseiro preparado pela irmã mais nova. A partir daí, a vida desandou e Pantera se enlaçou com uma mulher pública, chamada Rosete Fofolete, ficando, por esta razão, enquadrado num artigo de lei cuja pior pena era a cegueira vacilante de homem apaixonado. Não foi por falta de aviso, mas por excesso de recomendação – o proibido tem mais tempero para o homem – que Pantera, contra tudo e todos, resolveu lutar a favor do seu sentimento por Fofolete, que fazia ponto num posto de combustível, na estrada que levava a Manuaba do Norte. Certo dia, achando-se dono de alguma situação, Pantera exigiu de Fofolete que desse um basta na vida mundana, pois começava a ficar enciumado e não mais gostaria de vê-la fornecendo para outros machos, sentia-se deveras constrangido. Ainda não havia reparado na exata quantidade de dentes que faltava na boca de gaveta dela, e só se deu conta quando ela riu como nunca rira antes: “Pantera, meu gatinho manhoso, nada de lengalenga. Ande aqui se esfregar na sua boneca”. À época, os dois já moravam juntos num conjugado e quem pagava a conta era o corpo moreno e assanhado de Fofolete. Certo (outro) dia, movido pelo perfume do amor, bateu à porta de um caminhão e lá estava Fofolete na boléia fazendo uma felação num homem barbudo de aspecto grotesco. Pantera estava pronto para matar, mas levou um estilete tão-somente e acabou ficando na exata condição para morrer. E morreu com um tiro no peito durante a Novena de São Francisco. O corpo foi velado na casa da mãe – uma pequena construção de barro, que ficava à beira de uma lagoa cheia de mosquito e lixo. A mãe não se esgueirou do esquife do filho um só instante. Volta e meia era consolada por uma vizinha, um parente, uma amiga, mas estava completamente desiludida. Uma tragédia e nada haveria de ser pior, pensava a mãe de Pantera, mas isto antes de um trio anunciar um assalto. “Não se respeita mais nem velório!”, gritou um senhor que ao fundo bebia. Os três homens encapuzados não levaram em consideração os protestos e empertigados pediram para que todos colocassem dentro da sacola, que um dos bandidos tinha à mão, seus pertences de valor, pois só assim ninguém sairia machucado (estavam armados de revólver). “Não se respeita mais nem casa de pobre!”, dizia consternada a mãe de Pantera, cuja pele estava alva como pérola, mas os bandidos pediram pressa, exigência esta que ia de encontro ao nervosismo dos presentes, que inclusive não tinham muito a oferecer, além de dois ou três celulares pré-pagos, algumas correntinhas e pulseiras de micheline, garrafas de cachaça e vales-transportes. No meio de toda confusão, brilhava o corpo de Tiago Pantera; percebia-se na sua expressão uma calmaria nada que ver com o estorvo ora vivido pelos que ali estavam generosamente para lhe prestar uma derradeira homenagem. Junto ao ataúde, uma bandeira do Ferroviário Atlético Clube, sua segunda maior paixão. Rosete Fofolete, a primeira das paixões, não se dignou a ir se despedir do morto, até pela saraivada de ofensas que receberia e, portanto, acabou escapando do dramático velório de Pantera, mas não este, por incrível que possa lhes parecer. Quando nada mais restava, eis que o mais forte dos bandidos resolve assaltar o próprio morto. “Nossa Mãe Santíssima, não se respeita mais nem morto!”, clamou a irmã do pobre Pantera, antes de desmaiar. O meliante afastou as rosas artificiais das laterais do féretro e começou a mexer nos bolsos de Pantera, numa total falta de respeito e consideração. Mas o que poderia querer levar este coitado desta vida, senão uma foto 3x4 de Fofolete? “Vocês já estão mortos para o mundo”, disse o sádico malfeitor, antes de deixar o retrato junto ao peito de Pantera.
Mendes Júnior
* Photo by Sigal Avni, " Untitled".
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