16 novembro, 2007

O problema são as cartas


16/11/2007.


Tudo é possível quando a morte se anuncia. Mas voltemos esta narrativa. Quero começar o texto ainda vivo. No entanto, para não ultrapassar os limites, nada mais do que pouco tempo antes de uma bala perdida se encontrar justamente no meu peito. Genalva me garantiu que a resposta para os males da minha vida estava nas cartas, portanto fiquei sem escolha: confiava plenamente naquilo que Genalva me dizia e, obviamente, em tudo que me mandava fazer. Pronto. Estava com um bom jogo. Não tinha como ser diferente: a mão era minha e o apurado mudaria meus próximos dias. Não era tanto, mas o suficiente para comprar umas galinhas e umas cachaças. Genalva era uma escrota! Ganhei! O barbudo asqueroso que estava ao meu lado fez menção de não acatar o decisório da mesa, mas percebeu a tempo que não seria uma atitude acertada naquele distinto boteco. Estonteante, diante da euforia pela vitória, ofereci uma rodada de bebida para todos. Percebi que o prêmio só dava para as cachaças. Sobrou o suficiente para uma partida de dominó. Acho que Genalva, ao falar em cartas, quis dizer jogos de um modo geral. Talvez não: perdi! Fiquei sem um puto no bolso e o desgraçado que ganhou sequer pagou a própria bebida. Perdi para um sujeito que não bebia. Porra, Genalva! E a criatura ainda me falou que eu não sentiria a menor vontade de ir embora. Cacete! Me deu uma gastura ficar olhando aqueles vagabundos jogando em plena manhã de terça-feira. Cartas, Genalva? Claro! Não eram as cartas do baralho, mas da cartomancia. Sou um retardado! O barbudo ainda me olhava atravessado quando parti. A situação mudava de lado: andei duas quadras e lá estava uma placa em madeira: cartomante. Sorte, Genalva! Esperei outras duas pessoas antes de ser atendido. “Não consigo ler o seu futuro” – disse-me a velhota. – “O quê?”. Acontece que, além de ter perdido meu precioso tempo, acabei enjoando o cheiro do incenso e quase vomito o turbante da velha. Não vomitei, mas desmaiei. Como não querer ir embora? Genalva vacilou feio! Ainda quiseram se aproveitar de mim. “Mas a senhora não me disse coisa alguma” – aleguei antes de sair sem pagar. O pior foi descobrir pouco depois que ela havia dito. Azar, Genalva! Fui baleado! A partir de agora falo na condição de morto. Genalva tinha toda razão: era nas cartas, embora tenha errado num ponto que considero de menor importância. Está tudo tão frio. Porcaria! Genalva, vem me buscar que estou odiando!


Mendes Júnior
* Photo by Chema Madoz, "Playing Card".

Nenhum comentário: