20 janeiro, 2008

Spaghetti alla Dreywys


20/01/2008.


Levemente, com certa delicadeza, corta-se o tomate e a cebola. É bem verdade que os legumes e as frutas têm sentimentos. Não falam, é claro, mas duvido que não respirem. Se não, nada apodrecia. Eles percebem como os tratamos. Pois bem, com a faca em punho desliza-se pelo meio até formar pequenos cubos de cada coisa. Na panela, geralmente pequena, (afinal, trata-se de um almoço a dois), e em fogo baixo, o alho doura imerso no azeite, que deve ser bastante e de boa qualidade. O cheiro que exala e corre por toda a casa parece um perfume a induzir o estômago à fome. Após perceber a mudança na coloração do alho, é necessário juntar o tomate e a cebola à panela, deixando alguns minutos para que eles se entendam e se tornem grandes amigos. Enquanto isso, em ritmo mais afinado, atinge-se igualmente com uma faca as tiras de bacon tirando-lhes as capas sólidas. Na natureza nada se perde e tudo se transforma. A capa mais gordurosa deve ser deixada temporariamente de lado, ou seja, não deve parar na lata do lixo; aliás, coisa algum. É chegado o momento do bacon se juntar ao trio que há muito se desfaz alegremente na panela banhado em azeite. Neste instante, a fim de que o bacon seja bem cozido, aconselha-se usar uma tampa impedindo que a mistura receba o vento do começo da tarde. Sim, por que quem almoça cedo estará sempre fadado ao lanche, e isto é coisa de criança. O vinho tinto já pode ser aberto e devidamente degustado, mas não qualquer: talvez um argentino malbec. Caso opte pelo líquido dos nossos hermanos, outra boa pedida é o disco do Astor Piazzolla com o Gerry Mulligan na vitrola: “Summit” – um lindo casamento musical. E quando tocar Aire de Buenos Aires chame sua dama para uma dança. Tão logo demonstre ser um pé-de-valsa, retorne ao fogão e suspenda de forma razoável a tampa e do alto atire à panela punhados de estragão, de orégano e de pimenta-calabresa. O conjunto harmonioso agora pede passagem para a carne moída. A quantidade fica a critério, assim como a do sal. Enquanto a carne passa pelo processo de cozimento, vá desfolhando o pé de manjericão e acondicionando numa tigela com água, a fim de passar pela limpeza. Na minha modesta opinião, o manjericão deve ser generoso, pois o gosto que ele conduz e apura em qualquer prato é divino. Após determinado tempo, quando a carne estiver inteiramente cozida, junte um decente extrato e uma igualmente decente polpa de tomate a gosto e mexa tudo com uma colher de madeira. Entre um gole e outro do vinho, derrame um pouco da preciosa bebida no molho enquanto ele ainda estiver fervendo: o álcool irá evaporar e o molho permanecerá com um gostinho suave de uva. Além disto, jogue o manjericão e aquelas lascas grossas do bacon – isto ajudará a dar um sabor especial ao molho. Finalmente, para dizimar um pouco a acidez do molho, arremesse uma mancheia de açúcar e deixe mais um tempo a panela em fogo baixo. A partir de agora, deve-se ser atencioso com a massa. Nada de porcaria, mas uma grandiloqüente italiana (de preferência) e número 8. Na outra panela mais e mais azeite. O sal fica novamente a gosto. O vinho já estará pela metade, o suficiente para se esbaldar com a massa, pois esta não deve demorar muito no calor da água – é um crime não deixar o spaguetti – no caso – al dente. Depois de tudo nos conformes, quando o spaghetti já estiver encharcado de molho à sua frente, sacuda o provolone ralado e faça do seu prato uma menção às Cordilheiras dos Andes. Sirva ainda quente. Ah! E me disse um grande amigo quase italiano que usar colher para rodopiar o spaghetti é mui cafona naquelas plagas. Como última sugestão, não incitamos o excesso, pois tudo na vida pesa.
Mendes Júnior
* Photo by Luana Lima.

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