31 março, 2008

Rosita de Cañas



31/03/2008.


Conheci Rosita de Cañas durante um congresso de direito internacional numa primavera na lindíssima Buenos Aires – minha segunda pátria –, que se realizava no centro de convenções do luxuoso hotel Park Hyatt Buenos Aires. Era lá que eu estava hospedada, na companhia unicamente de meu computador portátil. Tornaria tudo mais simples ficar no próprio hotel do evento, por mais que a diária não fosse considerada uma bagatela: trezentos e sessenta dólares pelo quarto mais simples. A bem da verdade, estava a serviço do escritório no qual trabalhava e, portanto, nada me custaria aquela ostentação. Rosita e eu fomos apresentadas por um amigo brasileiro – que fazia doutorado na Argentina em direito público – no intervalo de uma conferência sonolenta a respeito das divergências políticas no Mercosul. Rosita era mais baixa alguns centímetros, ela tinha cabelos longos, lisos e pretos, um olhar intrigante que me lembrava a personagem Capitu, muito bem feita de corpo, principalmente porque tinha tudo no seu devido lugar, e usava as palavras de forma delicadamente inteligente. Ainda cursava a faculdade de direito, porém estava ali na condição de intérprete de um professor alemão, cujo nome eu não conseguia reproduzir. Já havia morado em Berlim após a queda do muro. Nosso amigo nos deixou cedo sob alegação de que precisava circular e ficamos bastante tempo conversando coisas sem importância, normal para duas pessoas que acabavam de se conhecer. Marcamos de beber alguma coisa tão logo terminassem as duas últimas palestras daquela noite. Permanecemos na Recoleta. Fomos ao Buller Brewing Company, na Ortiz, um local que me indicaram por causa da excelente música que beirava o amanhecer. Sentamos numa mesa de fundo. Pedimos duas Quilmes. Rosita perguntou se eu me incomodaria se ela acendesse um cigarro, por causa da fumaça, há pessoas que não gostam, sabe?, não seja por isso, também fumo. O álcool subiu à cabeça rapidamente, acredito que por não termos quase comido os quitutes oferecidos no congresso. Para minha surpresa, Rosita confessou ter a minha idade, algo que achei deveras exagerado, pois suas feições eram de uma criança, mas não havia razões para mentiras, ao contrário, provavelmente depois do encontro jurídico, não voltaríamos a nos ver. À medida que ficava alterada aumentava sua disposição para falar intimidades, e foi de repente que me sussurrou ser viciada em sexo. Acendi um cigarro com a mão inofensivamente trêmula. Não podia negar que estava bastante atraída por Rosita desde quando fomos apresentadas. Naquele instante tive vontade de abrir o jogo, anunciar que desejava fazer sexo com ela na gigantesca cama do hotel agora mesmo, contudo, antes que dissesse qualquer coisa, completou esclarecendo que gostava tanto de homem, mas tanto, que chegava a se masturbar pelo menos três vezes ao dia pensando no namorado. Perguntei-lhe como fazia isto, a fim de encobrir meu constrangimento, e sussurrou ainda mais baixo que seu travesseiro era o parceiro ideal nos momentos de solidão. O travesseiro? Sim! Esfrego ele entre minhas pernas ou então deito nuazinha por cima dele, e é o mesmo que uso para forrar a cabeça antes de dormir. Gosto do cheiro do líquido que sai de mim. Às vezes o braço do sofá também me causa um prazer sufocante. Cavalgo como se fosse o lombo de um animal. Desde menina aprendi a conviver com a existência do sexo e homem para mim tem de ser muito macho para me satisfazer. Encontramo-nos ainda em duas oportunidades durante o congresso – trocamos apenas cumprimentos breves, acho que mais por vergonha dela, agora sóbria. Rosita e seu travesseiro nunca me saíram da lembrança. Confesso que já tentei criar um clima romântico entre meu travesseiro e eu, mas descubro a cada dia que ele não é mulher suficiente para mim.
Mendes Júnior
* Painting by Tran Tuan, "Woman 70".

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