03 março, 2008

Viagem ao sabor daquela


01/03/2008.


O avião pousaria por volta de treze e qualquer coisa do último dia do mês de fevereiro. O ano era bissexto, por mais que isto não significasse porcaria nenhuma para ele, que apenas julgava se tratar de uma imposição temporal de astrônomos e cientistas mal amados, a fim de justificar suas profissões aos olhos de pessoas comuns como ele, facilmente suscetíveis a crenças inúteis. Rita de Cássia voltava de uma temporada de dois anos em Amsterdã, com breve passagem pela Irlanda, Bélgica e Inglaterra. A bem da verdade, logo após um acidente doméstico, que obrigou Rita a colocar dentes postiços, foi assediada por uma amiga da prima da sobrinha de sua mãe, que garantiu ser a Holanda um paraíso para mulheres bonitas e atrevidas como Rita. Mudanças de planos enquanto antes eram tão-somente o de casar com o Abdias; além do mais, mesmo depois de cantadas tantas vantagens, ainda dava para ganhar um bom dinheiro caso soubesse agir diante do riscado. Rita conhecia e bem o que queria dizer a Fulana. Abdias Nogueira de Castro e Silva, seu noivo há tempos, não traçou empecilhos para impedir a viagem de Rita e até arrumou um adiantamento na repartição para ajudá-la com a passagem e outras despesas menores. Abdias ficou envaidecido, embora ninguém soubesse exatamente o porquê, já que todos pensavam no oposto, ou seja, ele deveria se preocupar e muito, pois uma mulher igual à Rita não era de bom tom deixar sequer ir à padaria desacompanhada, o que dirá a Amsterdã – terra sem vergonha, onde tudo é permitido, onde fumar um baseado é tão ou mais natural do que fumar um cigarro, onde as pessoas se enamoram facilmente entre si; quando dizemos entre si, referimo-nos ao que vier pela frente, ou por trás, quem sabe, bêbados ou infelizes. Rita de Cássia, aos olhos do noivo, era estrela imune a qualquer fuxico, mesmo àquele que correu por todo o mercado de que supostamente estaria de chamego com o Zé das Cachorras do forró do escondidinho. Pois bem, mas o fato é que Abdias esperou ansiosamente pela volta de Rita. Trazia às mãos um prosaico ramalhete de papoulas vermelhas para oferecer à rainha tão logo despontasse no portão de desembarque internacional. Abdias tinha acabado de ser promovido chefe do almoxarifado da repartição e, para comemorar esta maravilha e a chegada de Rita, deixou em casa banhando em gelo, à espera dos saudosos pombinhos, uma garrafa de Sidra. No estádio próximo dali, em poucos instantes, começaria a ser decidido o certame local, com dois times do interior, fato que causava desapego aos torcedores da cidade, tão abarrotada de veneração pelo esporte bretão, mas através dos chamados times de casa. Abdias rumou ao aeroporto com seu paletó claro – achava-se mais elegante dentro dele – percebia-se um ar enobrecido, mas que logo foi desfeito pelo estropício da Rita – a quenga desembarcou de mãos dadas com outra – uma estrangeira. “Olha, Abdias, esta é minha mulher” – disse com maior cara-de-pau. O coitado do Abdias foi visto pela última vez, bêbado, em trajes disformes e amarfanhados, na arquibancada popular do estádio, empunhando uma bandeira do time do Napolitense, que acabou perdendo a partida nos pênaltis.
Mendes Júnior
* Photo by Carlos Antonio.

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