04 maio, 2008

Fatídica manhã de maio chuvosa


04/05/2008.


Todos da associação são testemunhas oculares e outros, por ouvir dizer, de que tento, dia após dia, encontro após encontro, charuto após charuto, licor após licor, (o de cereja me arde por dentro, um fogo!), me recuperar do trauma deixado pela fatídica manhã de maio chuvosa. Fui até em doutor de doido para tentar tirar o vexame das lembranças. Tive de tomar uma gororoba de remédios, cada um mais colorido do que o outro, mas não houve jeito de sossegar o meu anzol. “Medo desgraçado de viver aquilo outra vez, dona Carmelúcia!” Antes que eu me esqueça: a associação de que falo é a famosíssima Associação Pacatubense dos Iconólatras Anônimos – APIA, que é dentetora de honrarias das mais prestigiosas de que se têm notícias todas as gentes sergipanas espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, bem como das mais vetustas também, por seu trabalho de clamor social e profícuos resultados junto às mulheres-donzelas, (ou aos homens, por que não?), condenadas ao martírio de viver agarradas à imagem-retrato de cantores de musiqueta de solfa, com seus romantismos exacerbados a incutir poetices nas caraminholas frágeis e incautas. A igreja, por sua vez, acertadamente, já tinha se manifestado contrária a idéia desses tipos candangos desde o começo do ano. Isto foi justo quando seu Salvador Patrício de Ramos, distinto e equilibrado membro da quinta geração da dinastia dos Ramos, oriundos de Alcobaça e Braga, dos séculos negros, além mares, e meu padrasto, determinou ao capelão a proibição de músicas de solfa em atos públicos. E que também fosse recomendado às famílias de índole, durante a exposição dos sermões, sempre tão cheios de pertinentes dizeres cristãos, a mesma proibição no seio privado. Só assim seria resguardada a magnânima fama da cidade. É bem verdade que o problema era comigo, tão-somente comigo, um rapagão sem lhufas de casamento nem moça a lhe rodar os cílios, que foi açoitado pelo padrasto na praça dos Quirinos Rodrigues, numa fatídica manhã de maio chuvosa, enquanto se enamorava com uma foto de “Sertãozinho, Menino-Flor”, um bandoleiro-cantante, debaixo de um indaiá-rasteiro, ao lado do busto do Coronel Pergentino, que havia servido na Guerra do Paraguai mas que não vencera uma única batalha de que se possa saber nos anais guardados na casa do Monsenhor Salazar, bibliófilo de primeira linha. Fiquei possesso com tal atitude; desassossegado com o modo torpe com que fui tratado; era um ser grotesco que me apunhalava, apunhalava, apunhalava os quartos na frente da gentalha, que ria, ria, ria do meu infausto destino. Fui levado por uma coisa, não tive domínio, quando me vi, estava beijando a fotografia, acariciando a fotografia, sedento pela fotografia, e uma mão grossa e cabeluda a me açoitar – meu padrasto indignado. Agora, (coitado de mim), compartilhava meu pecado com dona Carmelúcia, senhora tão rezadeira! Já me prometeu muita oração. Vamos ver. Por enquanto, nada. Sempre que degusto um bom licor de cereja, canta aos meus ouvidos “Sertãozinho, Menino-Flor”, com sua voz rouquenha a me ouriçar a pelugem. O amor tem das suas barreiras (desconhecidas), que só numa fatídica manhã de maio chuvosa podem ser descobertas.
Mendes Júnior
* Painting by Tsang Kin-Wah, "I love you".

Um comentário:

Anônimo disse...

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