22 novembro, 2007

Os donos do mar



22/11/2007.

(Para melhor compreensão do texto, pedimos que ampliem a foto ao lado)

Das águas – então serenas – pareciam sair chamas, todas ardentes, pois todas as chamas são ardentes, e usurpadas das entranhas, tamanha amarelidão que ressurgia do espelho criado pelo mar, que não estava para peixes nem para tubarões nem para qualquer coisa que o valha, mas tão-somente para eles: os donos do mar, que se alimentavam do ar venturoso e do sal trépido, que tocavam suas bocas de forma a escancarar incontinente e denunciar o vazio, o oco, o nada, mas que, contudo, insinuava o prazer incompreensível, talvez porque as narinas dos donos do mar estivessem atulhadas de ilusões, devaneios e sonhos, que jamais se concretizarão, senão no próprio castelo levantado sob os olhos de uma ponte cravejada de animais menores oriundos da mãe-natureza, que recobriam suas finas pilastras e que não levavam a lugar algum, seja para cima ou para baixo, seja para quaisquer dos lados, pois não havia navios atracados fazendo sombra aos donos do mar, que ora era capitaneado pelo que se esticava na base horizontal e oriental de concreto deixada de lado um dia, com o rosto juvenil perdidamente em direção ao súbito teto, que provocava a tal chama que lhe banhava o peito desnudo e escorregadio de suor e lhe induzia a cerrar os magros olhos vermelhos enquanto o ora defensor se escorava no concreto vertical embevecido pelo milagre da felicidade, embora soubesse de que sensação assim é passageira e, de certa forma, cruel, mas de quê adiantaria caso fosse eterna, qual a serventia, pensaria o pobre defensor – o guardião do castelo –, castelo este à beira-mar, de vista gloriosa e de desenho imponente, que não tinha fim, que não oferecia destino, mas era o prazer dos donos do mar que lhes importava, pois não haveria mudanças até que a sereia resolvesse partir para o mais longínquo escondedouro e de lá não mais enviasse a magia do seu canto, mas a ora sereia saltava da ponte tão linda quanto seu sorriso – que inebriava a todos em sintonia com o perfume do mar, que alimentava um por um os donos do mar –, e era justamente da janela do castelo, corroída pela maresia, por onde a sereia observava a infinitude das águas, que eram mais dela do que de qualquer outro, no entanto solitária – desintumesceria seu coração –, portanto, preferia viver na companhia dos seres desolados daquele pedaço da água – eles eram reis –, além disto, se protegia da malfadada das gentes e era desejada feito o girassol, de mesma amarelidão, por outros dois rapazolas, que loucamente se jogavam aos seus pés, (perdão: cauda), como quem se aventura do alto da torre de um castelo, do castelo sem teto que era deles, que ficava no território marcado por eles, que riscava a ponte com eles, que queimava a pele deles, donde se via de longe, de muito longe, lá longe, o sorriso dos verdadeiros donos do mar.

Mendes Júnior
*Photo by Isabela Pinho;
** Publicado no Jornal O POVO, em 02/02/2008.

Um comentário:

Isabela Pinho disse...

Muito obrigada! Estou orgulhosa da foto e do seu texto!!!

MERCI