19 maio, 2008

Nietzsche – O nascimento da tragédia


Sem data.

Logo no primeiro capítulo da obra “O nascimento da tragédia ou Helenismo e Pessimismo”, cujo título original é Die Geburt der Tragödie oder Griechentum, escrito em 1872, Nietzsche esclarece:

“Teremos ganho muito a favor da ciência estética se chegarmos não apenas à intelecção lógica mas à certeza imediata da introvisão [Anschauung] de que o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco, da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexos, em que a luta é incessante e onde intervêm periódicas reconciliações (...)” [1]

Assim, Nietzsche começa a tecer comentários a respeito do que considerava as condições trágicas do ser humano. Encontrou nos dois deuses gregos da arte, Apolo e Dionísio, a contraposição, quanto a origens e objetivos, natural no homem. Mas por que as duas figuras gregas? No entendimento do filósofo, foram os gregos que “pressentiram e vivenciaram de modo exacerbado as atrocidades da existência e as ‘dores do mundo’, sem subterfúgios moralistas” [2]. Considerava ainda que os gregos haviam conseguido dominar de forma exemplar o caos dos próprios impulsos. E Apolo representaria a forma simétrica, o estímulo para o puro, o ponderado, a ordem, a moral, a nobreza das figuras, enfim, considerado a arte do figurador plástico (bildner), enquanto que Dionísio, como deus da música, simbolizava o fim tenebroso e desmedido, o excesso, o desejo e a orgia, nada menos do que a arte não-figurada (unbildlichen). Estas características (impulsos) às vezes caminham de maneira harmônica, outras vezes seguem fecundando discórdia, o que acabaria por instigar as “produções” a as “lutas” – a arte, por assim dizer –, “através de um miraculoso ato metafísico da ‘vontade’ helênica (...) tanto a obra de arte dionisíaca quanto a apolínea geraram a tragédia ática” [1]. Desta forma, a tragédia seria a composição da alma (Apolo) com o corpo (Dionísio).

Tal idéia fazia parte do pensamento do – à época – jovem Nietzsche, que não acreditava ter o homem uma natureza boa, além do que era cético também em relação à ciência e à racionalidade; para ele, a arte, principalmente representada pela música de Richard Wagner, que mais tarde causaria conflitos, significava a restauração da cultura trágica. A bem da verdade o pensamento filosófico de Nietzsche cria a chamada crise da razão e de valores, ao tentar realizar um diagnóstico fiel da situação do homem moderno, mas não no sentido meramente da negação, mas através da contestação do absoluto. Com isso, Nietzsche buscava o pensamento de novos valores.

[1]. NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou Helenismo e Pessimismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000;
[2]. GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Nietzsche. São Paulo: PubliFolha, 2000.

Mendes Júnior
* Painting by Javier Alonso, "Womem # 09".

3 comentários:

Anônimo disse...

Oi Mendes Jr., como estás?
Topei com teu blog através de um texto que escreveste no Cronópios, se ñ me engano, comentando um livro, "Uma (nova) Introdução à Psicologia", o qual, coincidentemente, tenho, e comecei a ler esses dias.
Também ando querendo me embrenhar pela filosofia nietzschiana, embora não saiba muito bem por onde começar... Falo disso, pq corri um pouco teu blog e achei um comentário teu sobre o grande pensador germânico.
Tens algumas dicas, escritos, sites ou que for sobre o cara pra me ajudar?
Abraço!!

Mendes Júnior disse...

Caro Marcelo, queira me desculpar se demorei para responder, mas somente agora li sua mensagem, no que aproveito para agradecer. Bem, não tenho certeza se posso ajudar, mas começaria lendo "O nascimento da tragédia", do próprio Nietzsche; também há uma leitura muito agradável, que é "Nietzsche - a experiência de si como transgressão (loucura e normalidade)", de Daniel Pereira Andrade; outro bom livro é "Zaratustra - tragédia nietzschiana", de Roberto Machado. Abraços sinceros...

andreysever disse...

Muito bom! Valeu pelas dicas. Eu já havia lido o capítulo que você mencionou da obra de Nietzsche,"O nascimento da Tragédia", mas confesso que não tinha compreendido muito bem a distinção entre o dionisíaco e o apolíneo. Suas palavras foram claras e me ajudaram a interpretar melhor a obra, que é profunda e não é tão fácil assim de ser compreendida. Se tiver mais algum trecho de outras obras do Nietzsche como o "Zaratustra" compartilhe conosco, obrigado!