25 outubro, 2007

Sodomītae-ārum



20/10/2007.




Sou um sodomita e cheiro à mortadela. Engraçado, estou sempre carregado de sensações que me diminuem como ser humano, pelo menos, assim me concebem todos: homem rabisseco, criatura menor. Hoje, depois de enfrentar correntezas e correntezas ao inverso do mar revolto, chego aos quarenta anos ainda capaz de expressar surpresa com a festa de aniversário organizada pela mamãe. Esse meu soluço é de uma emoção esporádica, assim como o é minha felicidade por morar às asas da mãe. Fico ali, no cubículo instalado debaixo dos primeiros degraus, que inclusive está podre há tempos, mas durmo bem, não tão confortável quanto gostaria. Noutra semana descobri um tumor à altura dos genitais, quando cortava pêlos na região, mas o doutor Epaminondas não se achou hábil em garantir se havia gravidade neste incômodo de saúde, ficando para determinar em atendimento à sobriedade de exames feitos com o auxílio da tecnologia avançada da medicina, mas para quando?, perguntou minha mãe, no que respondi: no momento em que decidir e quiser a tecnologia avançada da medicina, ora, mas para quando é isso?, novamente minha mãe – não lhe dei ouvidos e fui comer meu panachê. Apaguei o fogo de quarenta palitos azuis que estavam enfileirados no bolo de chocolate. Minha avó materna adorava bolo com café forte e manteiga-da-terra, entretanto, mesmo depois de anos, me trazia péssimas lembranças, pois foi sua última refeição antes de escorregar no banheiro. Fiz um pedido que levantou vôo com a fumaça: um segredo até certo ponto bem guardado, mas mamãe insistiu sobremaneira a fim de que eu o revelasse. A princípio, recusei-me a ceder aos seus apelos, contudo achei por bem compartilhar intimidade com a única pessoa que fazia parte da vidinha nossa: sou sodomita, disse-lhe brandiloqüentíssimo. Ela bateu palmas: Que maravilha, meu filho! Éramos ela e eu – tão-somente os dois, ainda cedo, pois eu contemplava quarenta anos e cheirava à mortadela. Que maravilha, meu filho!, repetia minha mãe de punho em riste, diante de minha livor mortis. Não há de ser nada a história de tumor, mamãe, fique despreocupada. E que maravilha, mamãe! Estamos salvos! E eu sentado à beira da calçada da casa de brilhante com dez anos ao lado do seu afável marido, lembra? Ela não recordava. Mas como não, mamãe, se era você quem de lá dentro emitia um bonito som para invadir a dor que sentíamos. Ah, que maravilha!, ressaltou. Os arpejos da mamãe me levaram ao suicídio. Era naquele local que eu ficava... apenas bem.
Mendes Júnior

* Publicado no site da Revista Piauí;

** Publicado na Revista Cronópios, em 26/08/2008;

*** Photo by Ralph Gibson, "Leda".

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