21 abril, 2007

Caderno de Viagem - Samba do Avião


CRÔNICA*, 20/11/2006
À Tia Anita

À primeira vista, o Rio de Janeiro, lá do alto, parece um matagal sem fim; uma floresta – por assim dizer – da mais alta estirpe, com todos os atributos que lhe são peculiares. Somente quando nos aproximamos um pouco mais é que percebemos que há vida humana nesta floresta; mais: há uma cidade inteira dentro dela. As janelas do avião são poucas para tanta curiosidade, afinal, quem não anseia atestar que o Rio de Janeiro é, de fato, uma cidade maravilhosa. Como bom jogador de futebol que não fui, também tenho minha mandinga antes de entrar em campo, ou melhor, antes de pousar no Galeão, que hoje ostenta o nome do maestro da música popular brasileira, de quem tomo emprestado aos ouvidos a música “Samba do avião”. Isto mesmo, para me dar sorte, pouso ao compasso da letra, que é de completo sentido: “Minha alma canta/ Vejo o Rio de Janeiro/ Estou morrendo de saudades (...)”.

Nunca entendi direito esta coisa de linha vermelha ou de qualquer outra cor que as vias do Rio tenham, posto não ter me aprofundado na questão com quem quer que seja, mas saindo do aeroporto é natural passar por elas. “Rua Toneleros, nº 170” – digo ao taxisista onde devo ser deixado com minhas malas e cuias. Só após ter tocado o solo de Copacabana com minhas franciscanas é que me dou conta da vitalidade e importância do endereço ao lado: Edifício Albervania, nº 180. Nos primeiros minutos de 5 de agosto de 1954, foi neste endereço que o jornalista Carlos Lacerda sofreu um atentado, que acabou resultando na morte do major-aviador Rubens Florentino Vaz, que lhe dava proteção, e, posteriormente, ajudando a “apertar o gatilho” que levaria Getúlio Vargas a entrar na história. Caso este que ficou conhecido por “Atentado da Rua Toneleros”. Juro que escutei pelas janelas a voz felina do jornalista.

Dali para a Avenida Atlântica é o que chamamos de um pulo, mas no Rio não se deve nunca pular nada, principalmente suas ruas. A arborização é perfeita para uma boa caminhada a qualquer hora do dia, inda mais quando estamos no final da primavera. O Rio de Janeiro é generoso neste aspecto. O escurinho das ruas, provocado pelas árvores perfiladas em suas calçadas, é o que traz alento aos nossos corações tão sofridos de tristes paragens. Os pés são nossos guias e jamais, por hipótese alguma, devemos olhar para o relógio; isto é proibido. De repente, estamos diante do mar; eis o calçadão de Copacabana. Uma água de coco e volto a batucar o tal samba: “Rio, seu mar/ Praia sem fim/ Rio, você foi feito prá mim (...)”.

Há quem diga que ser carioca é um estado de espírito. Sendo assim, sejamos nordestinos, nortistas ou paulistas, no Rio, somos todos cariocas. É engraçado como faz sentido esta máxima; em pouco tempo nos acostumamos com a vida carioca como se vivêssemos há anos no Rio de Janeiro. Nossos olhos já não conseguem enxergar senão o retrato de uma cidade: seus táxis amarelos, ao passo de idosos carregando seus cachorros, ao som mágico de pássaros urbanos, ao fundo do mar, ao lado de uma banca de jornal, ao moço que sorri só de short, ao lado do homem sério que se apraz com uma boa média. Eu, por exemplo, carrego no ouvido o tal samba: “Cristo Redentor/ Braços abertos sobre a Guanabara(...) Rio de sol, de céu, de mar (...)”, mas há quem carregue “Garota de Ipanema” ou, quem sabe, “O barquinho” – não importa – o importante é viver e sentir a cidade. Se tiver ginga, melhor ainda.

O Rio de Janeiro é amor e história. Às vezes de livro; às vezes de vida. Sua beleza pontua os ares de uma paixão e perdura para sempre em nossa memória. E eu já estava novamente de frente ao Edifício Albervania e, antes que escutasse qualquer discurso inflamado de Carlos Lacerda, cantei bem alto: “Este samba é só porque/ Rio, eu gosto de você (...)”.
Mendes Júnior.
* Crônica publicada no site do Jornal O Noroeste, em 26/12/2006.

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado por Blog intiresny