10 junho, 2007

Caderno de viagem – Paris


CRÔNICA, 16/10/2006.


A minha impressão – que considero mais como uma certeza – é de que Paris nos proporciona visões distintas do mesmo lugar. É como o ouvido tão bem anunciado por Villa-Lobos: temos o de fora e o de dentro. Pois bem, Paris é assim. Olhamos com os olhos e com o coração, e a intensidade que este proporciona é superior a qualquer sensação que um dia já conhecemos.

Outra idéia que me surge – não menos certeza – é de que Paris quase implora para que andemos por suas ruas. E isto não é nenhum sacrifício; ao contrário, é mágico e curioso e belo e perfeito. Podemos respirar o charme de Paris na Île de la Cité ou em Montmartre, não importa, desde que estejamos nos locomovendo com estes pés que nos foram concebidos no nascedouro (peço que seja perdoado pela expressão). Visitar Notre-Dame e suas assustadoras gárgulas é maravilhoso, mas ter a vista de sua torre norte e decidir ir caminhar pelo Quai du Marché Neuf ou ir até o Marché aux Fleurs comprar uma orquídea e entregar nas mãos da primeira francesa que lhe cruzar o caminho é melhor ainda.

O mesmo se dá se estivermos defronte às escadarias da Sacré-Coeur – igreja romano-bizantina no centro de Montmartre. Devemos explorar seu interior, sem sombra de dúvidas, mas não podemos, por hipótese alguma, sob uma pena cruel, deixar de aproveitar o passeio no Petit Train de Montmartre, levando-nos aos interessantes pontos desse paraíso. São muitas as ruelas de Montmartre, mas vale cada pedaço da sola do sapato. E, muito embora o nome desta região pitoresca advenha dos mártires torturados em Paris no ano de 250 – mons martyrium –, é tão doce quanto estar numa serra fumando uma cigarrilha Dona Flor e tão quente quanto seduzir os limites do próprio corpo (é aqui que está localizado o famoso Moulin Rouge).

Paris é uma cidade que abriga muito confortavelmente seus tipos. Não importa a combinação, a cor, a moda, a farra, o cego ou o doido. É válido ler andando, conversar sozinho, rir alto, sentar para pegar um sol, beber água mais cara do que vinho, correr jardim sem flor, colocar os pés de molho, pegar uma praia sem praia, dormir na rua, dançar na rua e empurrar dois japoneses. Há a cuisine francesa – coisa de primeira –, mas temos também as maravilhas orientais, indianas, italianas e os pães, queijos e mortadelas francesas ao ar livre (não é recomendável o suco de laranja). Não se faz necessário titubear no vinho: tinto francês, s’il vous plaît.

É o sabor da vida parisiense que nos guia pela cidade. É como se esperássemos encontrar, quem sabe, Scott Fitzgerald nos convidando para tomar um café no La Closerie des Lilas e nos explicando por que é tão bom viver (em) Paris. Talvez numa conjectura remota, mas conjectura, estivéssemos numa roda literária ouvindo Hemingway declinar a respeito do porquê Paris é uma festa. O amor por Paris não requer nacionalidade nem religião, mas um sentimento nobre, banhado a ouro, disposto a aceitar um mundo inteiro. Em meio às suas places e rues, viramos monarcas e súditos num piscar de olhos, como se fóssemos dela, como se fosse nossa. Na maioria das vezes, Paris assume a responsabilidade por nosso destino. Daí o olhar de dentro. Somos fisgados pelo coração. Este é um bom começo para entender a emoção de estar em Paris.

Mendes Júnior.
* Photo by Mendes Júnior.

3 comentários:

Anônimo disse...

Paris é tudo isso e mais um pouco dependendo da companhia.

bjs

Mendes Júnior disse...

Com a preciosa ajuda da Isabela, foram necessárias duas alterações neste texto, no entanto, nada que comprometa a exaltação da beleza de Paris. Aproveito e agradeço também pelo comentário.

Anônimo disse...

só foram alguns poucos detalhes que de nada iria mudar a beleza do texto se não tivessem sido retificados.