19 agosto, 2007

Todas as mulheres


08/03/2007.
“As meninas são minhas
Só minhas
As minhas meninas
Do meu coração”

(Chico Buarque)

Romualdo achava que todo homem deveria, obrigatoriamente, ter uma conta numa floricultura; ele tinha há anos. A mãe de Romualdo vivia reclamando pelos cantos que o filho era antiquado, meio envelhecido, fora de moda – um chato de verdade. Romualdo apreciava instrumento de sopro, uma voz mais aguda, uma toada sem graça nem balanço, quase teatral, e um estribilho romântico e tenro. Aprendeu a dedilhar um violão porque entendia que a serenata era uma forma honesta de declarar qualquer tipo de amor, mesmo o mais inconseqüente de todos; até se inscreveu numa aula de canto. E lá estava Romualdo metido num caderninho fedorento rabiscando uns versos infantis, com rimas pobres, porque era considerado, vejam só, o poeta da rua. A mãe nem gostava desta história: seresteiro e poeta são sinônimos de vagabundagem. A mãe tinha razão, mas Romualdo nunca recitara um verso sequer nem jamais se pusera ao pé de uma janela; mulher nenhuma havia sido contemplada com o amor de Romualdo, um querer bem substantivo e primitivo. Por quê? A mãe não soube dizer e levou o menino às vias da demência: o que faz um porta-retrato vazio na cabeceira do Romualdo? Um papel em branco no lugar de um sorriso? Nada era tão colorido quanto aos olhos de Romualdo. Era assim que enxergava a mulher: uma quantidade infinita de cores que se misturam umas às outras sucessivamente, correndo lado a lado por uma atmosfera imaginária, formando novas tonalidades, cada uma mais formosa do que a outra; sem fronteiras, um azul mais verde mais vermelha mais amarela mais branca era a pele da rosa que Romualdo via sempre na floricultura que ele tinha uma conta, como bom homem que era, mas que não chegara nunca a enviar ao coração de uma mulher, de uma única mulher. A mãe lavou as mãos uma dezena de vezes, levou a casa pares e mais pares de um final feliz – arranjado, mas feliz –, gastou rios e rios da voz da experiência, mas qual experiência?... não era Seu Nonô o parceiro da vida toda? Romualdo ia além; era difícil para ele sintetizar a mulher, transformá-la em um sonho tão somente, idealizá-la senão múltipla e diferente. Ele sentia-se feliz por achar que valia a pena pensar assim, por mais que às vezes fosse incompreensível o seu amor; não a ele, mas aos que submetem a vida ao aluamento da dúvida, da ignorância e do desrespeito em desfavor de um bem precioso que é o suspiro da mulher. Certa vez, não muito tempo, Romualdo beijou uma mulher, colou os seus lábios aos lábios de uma outra pessoa, e foi de uma ternura, e não poderia ser diferente, e Romualdo nunca esqueceu o doce mais doce do mundo, embora não soubesse identificar a fruta porque se parecia com sapoti, com manga, com ata e tinha cheiro de baunilha. À sua cabeça corria muitos nomes, muitos rostos, muitas belezas, muitas fortalezas e muitas gentes. Romualdo levantou-se da cadeira, havia feito um novo poema, talvez virasse letra de música, talvez parasse nas cordas do seu violão, talvez chegasse ao coração de uma mulher. Sua mãe haveria de perguntar pela bendita mulher de Romualdo, mas isto porque ela não percebia que seu filho tinha todas as mulheres do planeta, amava todas elas, como se todas fossem apenas uma, ou apenas uma fosse todas, tão lindamente lindas, grandes, completas e prontas. Romualdo não poderia escolher uma – e estava certo –, seria um leve toque de insensatez se assim o fizesse. Romualdo não pensava a mulher senão perfeita. E qual a mais perfeita? Nenhuma, todas são perfeitas, cada uma à sua maneira. E a rosa de Romualdo era das mulheres, todas.


Mendes Júnior.
* Photo by Anya Bartels-Suermondt, Reading Man, N.Y. Manhattan;
** Publicado no Jornal O Povo, em 19/08/2007.

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