12/06/2007
Armênia achou de plantar a mão no rosto do Ivair justo no Dia dos Namorados, e, ainda por cima, na frente do povaréu todo. O coitado estava todo faceiro, em camisa de linho violeta e calça branca, que deixava mostrar a marca da cueca, muito bem acomodado na cabeceira. Preparava uma decente garfada de baião-de-dois quando foi subitamente agredido pela parceira. Não houve jeito de reagir, afinal, seu caráter não lhe permitiria um ato furioso, de modo que ficou paralisado-corado-embasbacado vendo Armênia sair feito uma louca. Existem pessoas, realmente, sem um pingo de sentimento pela dor alheia: alguns trataram de rir da vergonha do Ivair.
Ivair preparou um dia inteiro de agrados para Armênia. “Olha, bem, essas rosas são para anunciar o tamanho do meu amor por você! Olha, mas se prepara que tenho uma surpresa maior ainda”, dizia Ivair ao telefone. Era de um romantismo impecável. Tratava datas especiais com muito esmero e, mesmo passados sete anos de namoro, agia como se fosse o primeiro. No sétimo Dia dos Namorados, acordou Armênia muito cedo, ainda quase escuro, com vinte e quatro rosas vermelhas. De tão adaptada às exigências do coração de Ivair, providenciou um vaso para acomodar as flores que recebia, sempre em exagero. Às vezes a casa ficava cheirando a velório. A mãe de Armênia questionava o porquê de tanta provação, qual o sentido das inúmeras declarações, mas Ivair não poderia fazer diferente – era da sua natureza.
Ivair, lá pelas tantas, pegaria novamente o telefone da Repartição para, com voz de bobalhão, usar das palavras e anunciar que era um eterno apaixonado: “Olha, bem, essa caixa de bombom é para tornar sua vida mais doce e maravilhosa. Espero que você fique feliz, pois são de laranja, do jeitinho que você adora. Olha, mas essa ainda não é a surpresa de que falei. Só mais tarde, viu?” Ivair chegava a abusar da boa vontade do office-boy, no entanto, queria que seus pecadinhos causassem um sobressalto em Armênia, que parecia se esforçar para dizer sim, embora tudo não passasse de uma cópia dos anos anteriores, com exceção da tal surpresa que estava condenada a acontecer só no final do dia.
Sem nenhuma dúvida, Ivair era um bom homem, mas muito respeitoso. Sete anos de namoro se foram e Ivair, por acatamento, não se deitara uma única vez com Armênia, o que, de verdade, fez nascer nela a esperança de que era agora ou nunca. A história que ficaria guardada para a noite não poderia ser outra, senão um convite para um motel. Armênia tinha que fazer uma expressão de espanto (já pensara nisto), até por que Ivair, nas vezes em que ela sondou sobre o assunto, demonstrou-se deveras tímido. Não importava – saberia conduzir a resposta do convite. Decidiu por comprar uma lingerie vermelha e audaciosa como presente para o Ivair, afinal, pela espera, haveria de ser inesquecível a noite. Armênia era balconista de uma loja de couro, mas as colegas entenderam seu nervosismo e resolveram dividir entre si sua tarefa, a fim de que ela se concentrasse exclusivamente no serviço que seria realizado no apagar das luzes. Além do que Ivair não sossegava: “Oi, bem, não me esqueço de você um minuto sequer! Esse perfume? Bem, é para você usar mais tarde. Gostou? Sabia! Olha, acho que você vai amar a surpresa! Também te amo!”
Os dois foram comemorar o Dia dos Namorados numa churrascaria. Ivair reservou uma mesa central – queria que todos assistissem à reação de Armênia quando descobrisse o que ele preparara. Ela estava nas nuvens, adorável, alegre, um pouquinho ansiosa, é claro, mas faria a expressão de espanto, talvez até melhor do que nos ensaios com as colegas. Armênia queria logo se arrancar da churrascaria, não estava interessada em comer nem beber coisa alguma; por ela, já estava deitada na cama do motel, olhando-se pelo espelho do teto; enfim, seria do seu homem. Ivair, no entanto, insistia para que ela comesse: “A carne de porco está deliciosa”. Ivair fazia de conta que estava tudo bem, mas começou a ficar apreensivo com as várias negativas de Armênia, o que melaria de vez o plano. Um garçom se aproximou e perguntou se a senhorita não gostaria de provar da carne de porco, que era uma especialidade da casa. Com um batalhão suplicando para que ela comesse o diabo da carne, não lhe restou alternativa, senão colocar um pedaço na boca. Nas duas primeiras mastigadas, sentiu algo bastante duro na boca, quase partindo seu pivô. Pensou tratar-se de um osso, mas não.
Mendes Júnior.
* Photo by Mendes Júnior.
5 comentários:
GOSTARIA DE PARABENIZÁ-LO PELA MATÉRIA,POIS SEMPRE GOSTEI DE LITERATURA`.COMO ADVOGADO,VC TEM UM DOM PARA SER UM EXCELENTE ESCRITOR.CONTINUE SEMPRE ASSIM,PARA QUE POSSAMOS DESENVOLVER AS NOSSAS CABEÇAS PENSANTES.UM ABRAÇO.
PARABÉNS PELAS MATÉRIAS.VC É UM ÓTIMO ESCRITOR.
Gostei muito!! Não sabia que vc escrevia tão bem
beijos
Obrigado pelos comentários.
QUERENDO SER ENGRAÇO SEM SER.
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