19 junho, 2007

O catador de poemas


19/06/2007.



À mais bela lua

Talvez, se ele tentasse embalar um poema, um forte poema, dizendo que a lua estava brilhante, alva como pérola, ingressa como paixão, formosa como dama de bordado, límpida que nem pensamento de criança, porém recatada, apaixonada, preconizada e plena, correria o indelével risco de que suas estrofes fossem tachadas de inconsumptas, muito embora não quisesse escrever um livro, ou livrete, ou coisa parecida, ou sair no jornal, ou virar notícia, tampouco era aconselhável que dissesse que o céu nuvioso era uma nódoa insana a marcar os dois com descomprazer, pois assim, se a manhã descomprouvesse, a eles, ao casal descomprazeria, e vejam que coisa horribile dictu, melhor mesmo ficar com a noite, com a lua cheia que vai impávida, e não é o virgem poeta quem anuncia o plenilúnio, mas ela está cheia, de verdade, tão cheia de amor quanto de dor, da saudade de quem segue junto do peito, e é isto que ele quer dizer no seu poema, o tal poema que irá cantar a febre da paixão, em versos, contudo, sua paixão, tal qual a paixão cúmplice da lua pelas estrelas e estas pelos homens e estes entre si, como disse, certa feita, um parnasiano poeta, o qual ele gostaria de ter sido porque tão bem decifrou esta relação: “E eu vos direi: ‘Amai para entendê-las! / Pois só quem ama pode ter ouvido / Capaz de ouvir e de entender estrelas’”, que o deixava perplexo tamanha sua incapacidade diante da folha em branco, e também não sabia conduzir o lápis bem apontado, e o peito era engolido pela lua, e ele era banhado pela fonte de luz que rasgava fervorosa a noite de plenilúnio, sim, de plenilúnio, e por que então não lhe era permitido começar o poema simplesmente exaltando a face noturna das horas, o luar glorioso e ferrenho?, como pontuou o lírico poeta no comecinho da página: “Ai! quando de noite, sozinha à janela, / Co’a face na mão eu te vejo ao luar, / Por que, suspirando, tu sonhas, donzela? / A noite vai bela, / E a vista desmaia / Ao longe na praia / Do mar!”, os seus sentidos não permitiam?, pois bem, achava que era possível dizer do amor sem cair no fosso da tolice, então preferiu esperar um pouco mais pelo verso arrebatador a poluir o efúgio da sua tentação, de todos os seus desejos, de todos os seus pecados, e permaneceu sentado à beira da calçada, riscando a terra com a ponta do pé, na busca inconsciente das palavras responsáveis pelas lágrimas que ela derramaria, tão logo recebesse o poema escrito com ajuda do vento frio, do silêncio, da plêiade que se via lá no céu e da poesia que podia ser lida no círculo leitoso, em letras tenras e miúdas, afora o coração do poeta, que não comportava mais do que aquele tanto de amor, mas isto não tornaria o poema tristonho?, como cantou Asunción: “(...) Era o frio atroz do nada. / Minha sombra, / Projetada pelos raios do luar na areia triste, / Solitária, / Solitária, (...)”, qual nada!, não é demais nem curto nem morno ele lembrar do que disse Bardo, no exato instante em que jogou o olhar quixotesco para cima: “O mar jaz como um céu tombado. / Ora é o céu que é um mar, onde a lua, / A só, silente louca, emerge / Das ondas-nuvens, toda nua”, então devesse, sem delongas, esquecer o que pensarão os críticos, de que nada entendem, muito menos de coração de poeta, e pintar o júbilo do amor que ora sente na folha (re)vestida de branco, e com o lápis na mão direita contornar a lua delicadamente como se deslizasse suavemente esta mesma mão pelo corpo dela, que é sedutor e repleto de blandícia, e pouco importa se o poema se apresentar com um verso sem ostentação, desde que encambulhe ao próximo, e ao próximo, e ao próximo, formando a primeira estrofe, por que é um soneto, e vai falar da lua, da mesma forma simplória com que Sylvia Plath encetou seu poema de 1961: “If the moon smiled, she would resemble you”, pois nada mais é preciso gritar, senão que a lua sorrindo é a cara dela, claro, a cara da mulher amada, que corresponde ao amor de/do poeta, e é possível uma licença poética?, não, infelizmente, não, mas então ao poeta é permitido criar qualquer coisa, palavras, rimas, nomes?, sim, isto pode, e até é fácil de imaginar o poeta dizendo que a saudade estraçalhou seu coração, mesmo estando vivo para escrever o tal poema, pois, com uma lua bonita assim, e por achar que ela irá entender sua falta poética, embora amasse em efusão tudo aquilo que saía de sua alma, gostaria tão-somente de citar Alphonsus de Guimaraens, poderia?, sem dúvida, que fosse em frente: “E como um anjo pendeu / As asas para voar... / Queria a lua do céu / Queria a lua do mar...”
Mendes Júnior
* Photo by André Adeodato;
** Publicado na Revista Cronópios, em 03/08/2007.

Um comentário:

Anônimo disse...

Amei...