09 julho, 2007

Virgínia Catlen




09/06/2007.


Não se sabia ao certo de quem teria partido a idéia de vender uma foto de Virgínia Catlen, mas não parecia ter o juízo bem intencionado. Havia, a priori, uma periculosidade no ar. Sim, era possível ver ao fundo móveis ultrapassados e um ventilador de teto, ainda assim não se identificava o local onde o algoz fizera tal fotografia. O fato é que Virgínia Catlen surgia em cena numa posição comprometedora, em pêlos, com as pernas escancaradas, como se esperasse para abraçar alguma coisa, e sorria maliciosamente, demonstrando certo conforto. Estava esparramada por sobre uma cama enorme, lençóis alvos, quatro travesseiros gordos e um copo de cerveja na mão esquerda. Afora tudo isso, o que se podia constatar é que seus cabelos ruivos estavam molhados, indicando um banho antes de ceder sua imagem obscena ao homem covarde que resolveu se aproveitar da artimanha de sua lente. Ninguém, entre os presentes, atinou para a hipótese de ser de uma autora a responsabilidade, até por que corria um boato de que Virgínia Catlen, desde moça, gostava de beijar boca de menina. A bem da verdade, não se reparava em nada na fotografia que incriminasse homem qualquer, tampouco mulher. Poderia ser arte de um casal, afinal, gosta-se de tanta coisa nesses tempos. Acontece, no entanto, que Virgínia Catlen foi examinada desnuda por muitas pessoas, antes de ser vendida ao cidadão da terceira fila, com um chapéu xadrez enfiado na cabeça, que, aliás, não se dignou a comprar mais nada. O senhor que adquiriu Virgínia Catlen não deu mais lance algum e sequer levantou a mão para coçar a ponta do queixo. Parecia satisfeito em tão-somente levar dali a foto descarada de Virgínia Catlen – um morenão da cabeça aos pés – e que coxa! O objeto de desejo dos presentes no leilão, de repente, passou a ser a pose arreganhada de Virgínia Catlen e, por isso, seriam capazes de dar os fundos das calças, qualquer bem, o último tostão furado por ela. As razões para tanto eram compreensíveis: a aura misteriosa envolvendo o fotógrafo, a beleza indiscutível, era casada, além do que estava morta. Ao que foi apregoado, o crime que resultou na sua morte também estava banhado de dúvidas e, provavelmente, dois mamíferos seriam extintos com uma paulada, caso fosse descoberta a pessoa ardil que levou a público tão indesejada questão de tão desejada mulher. Ao final do pregão, indagou-se quem seria o cavalheiro que levava nos braços, cuidadosamente, Virgínia Catlen, e que pagou o alto preço desse capricho. Logo se descobriu tratar-se do marido, supostamente, traído. Tempos depois, a obra-prima perdeu o charme enorme: tudo não passava de um plano tacanho do anunciado marido: Virgínia Catlen nunca existira e a fotografia era uma excelente falsificação. A quem o infeliz queria enganar, senão a ele próprio que arrematou o retrato? Dizem que ele implicava com leiloeiros; apreciava mais os falsários. Pirraça, apenas. Na dúvida, o galhofeiro foi indiciado por homicídio.

Mendes Júnior.
* Crônica publicada no site da revista Piauí;
** Photo by André Adeodato.


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