19 setembro, 2007

Indicações Musicoliterárias

Juan José Millás

Estou, há dias, envolvido misteriosamente com temas relacionados à psicanálise, behaviorismo, epistemologia e outras questões afins; também tenho me ocupado com a releitura de Cem anos de solidão, conforme dissera em outra oportunidade, no entanto, mesmo me restando quase nada do tempo, abri um espaço precioso para conhecer de perto a literatura de Juan José Millás. É claro que já ouvira falar a respeito do escritor nascido espanhol (e muito bem, é verdade), mas o que até então não havia experimentado era algum tempero de sua obra, que é vastíssima, diga-se. Alguns títulos ainda não têm tradução em nossa língua, o que de pronto pode ser considerado um pecado editorial – igual a tantos cometidos diariamente nessas plagas. Ficarei na torcida para que, com a entrada da Editora Alfaguara no Brasil, esse e outros problemas sejam minimizados.

Juan José Millás foi bastante influenciado por Dostoiévski e Kafka. Suas novelas expõem, de forma clara, uma visão angustiante do ser humano, e isto me foi possível constatar com a leitura de Laura e Julio, livro este publicado recentemente pela Editora Planeta. Trata-se de um casal, Laura e Julio, que, por decisão dela, se separam logo no começo da trama, enquanto o vizinho e amigo Manuel permanece em coma numa cama de hospital. Julio, por sua vez, sem ter muito aonde ir, resolve ocupar o apartamento de Manuel, no entanto sem que ninguém saiba. Pouco depois, assume (relativamente) a “figura” de Manuel e começa a se descobrir numa nova vida, donde também nasce uma curiosa relação com uma menina de seis anos de idade. Uma das pérolas da narrativa é a convivência “conflituosa” de Julio com o estranho e a lucidez, diante dessas situações todas. A novela é muito curiosa e vale a leitura, apenas ressalto alguns erros, provavelmente de revisão, ao longo de suas páginas.

Um pequeno trecho de Laura e Julio:
“La noticia del accidente divide la tarde del sábado en dos partes con la limpieza con la que un bisturí separa la carne. Por la expresión de su mujer, Julio calcula que una vez que resuelvan las cuestiones de orden práctico tendrán que enfrentarse a un desamparo excesivo, por lo que, al objeto de retrasar ese instante, propone varias cosas inútiles que ella ni siquiera escucha. Pasados unos minutos, cuando Laura regresa a su cuerpo como el pájaro regresa a la jaula tras haberse golpeado contra las paredes, se dan cuenta de que no tienen la llave del piso de Manuel (aunque él sí dispone de la de ellos), lo que les imposibilita entrar en él para buscar el teléfono o la dirección de un pariente en el que delegar la ejecución de los trámites. Y del dolor. Es entonces cuando Julio cae en la cuenta de que han mantenido una familiaridad sorprendente con una persona de la que lo ignoran casi todo. El problema es que su matrimonio, sin ese individuo, resulta ya incompleto. La atmósfera destemplada y húmeda de la tarde penetra en el piso y roza, como un suspiro fúnebre, el ánimo de la pareja. Por la televisión, encendida aunque muda, pasan el anuncio de un perfume que inaugura la campaña de Navidad”.

Esteja dito.

Mendes Júnior.

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