03 setembro, 2007

Manual de sobrevivência no centro da cidade


26/04/2006.


Às vezes, para nos sentirmos (mais) humanos, necessitamos de uma viagem ao centro da cidade. Seja de uma qualquer, todos são praticamente iguais. É importante, desde já, fazer o alerta no que se refere à classe social: não há diferenças sociais no centro da cidade. Pouco importa se sua locomoção dar-se-á por meio de um automóvel do ano ou de uma condução coletiva, pois você irá desbravar ruas e ruas a pé. É isto mesmo: a pé! Uma observação entre uma coisa e outra: a dificuldade de achar um bom estacionamento para o carro. Entenda como o bom local para parar seu veículo um lugar seguro, com atentos vigilantes e que não tenha de pagar uma tarifa antecipadamente. Raro, não! Pois bem, melhor seria desembarcar num ponto de ônibus com o ar despreocupado.

É apropriado, antes de sair pela porta de casa, ler a meteorologia no jornal. Nunca se sabe quando vamos ter sol ou um dia nublado com pancadas de chuva. Um esforço extra para achar aquela velha sombrinha vale a segurança. Mesmo que não chova, pode-se perfeitamente proteger o penteado daqueles pingos chatos dos ares-condicionados dos prédios comerciais, enquanto desfrutamos do passeio. Outra dica é parecer que estamos indo a um velório de um amigo do amigo: nada de enfeites, jóias e coisas do tipo. Chega-se ao extremo de aconselhar as mulheres que não levem o salto e a bolsa; quando muito, uma bolsa surrada. O dinheiro segue na meia, desde que esta tenha um firme elástico agarrado à batata da perna. Costuma-se dizer que no centro existe muito malandro para pouco besta. Por fim, uns óculos escuros.

Chegando à praça principal (todo centro tem uma praça para situar seu “coração”), é hora de escolher o que fazer. As opções são diversificadas, mas preferimos citar apenas três: comprar, ir a um banco e deixar metade do ordenado ou perambular, simplesmente perambular. Uma amiga costuma dizer que no centro tudo é mais barato. Cuidado! Muitas vezes o barato sai pelo olho da cara. O bom mesmo é bater pernas, sem compromisso, com a solitária moedinha para um robusto gole d’água. Porém, se você for da ala dos parcialmente consumistas, pouco dinheiro; já se for daqueles que só saem com um robusto cartão de crédito, tenha um pouco mais de juízo do que da última vez. O importante é, independente da razão, não esquecer de observar as pessoas, como são tantas, engraçadas e sérias – não se preocupe com encontrões, pois isto acontece com freqüência – e as antigas construções. O centro é o retrato fiel de uma cidade.

Em determinado instante, você vai se sentir enfadado. Duas horas prorrogáveis por mais meia hora são suficientes. Pode estar certo, esse é o seu limite para tanta poluição visual e sonora. São muitas as propagandas que já deve ter recebido ou ouvido, desde uma promoção de aniversário de alguma loja de eletrodoméstico até uma financeira oferecendo dinheiro sem consultar se sua ficha está no ponto de passar cera de tão limpa. Mas antes de partir, leve para casa uma singela lembrança deste espaço tão democrático que é o centro: uma borracha para panela de pressão. E, se tudo correr bem, siga em paz e assobie feliz, pois você acaba de visitar um lugar onde não há cor, credo, nacionalidade nem partido político. Seja cidadão e ajude a revitalizar o centro de sua cidade.
Mendes Júnior
* Publicado no Jornal Expresso do Norte, em 14/10/2006;
** Photo by Francesc Catalá Roca, "Madrid".

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